segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A Educação Básica brasileira: da retórica a realidade


Síntese:

As políticas para educação básica pública no Brasil padecem por uma série de prerrogativas quem vai da insuficiência de investimentos ao esgotamento das visões estéreis dos gabinetes dos formatadores burocráticos de políticas para o setor. É fundamental encarar a barbárie como a indisfarçável realidade constituinte da Educação no país. Além de uma síntese do recente desdobramento das políticas federais para a educação, o presente artigo desdobra a fazer uma crítica de alguns modelos adotados no país. A partir da experiência do autor na Conferência Estadual da Educação Básica, realizada na cidade de Guarulhos (SP) em dezembro de 2007, é pertinente refletir os mecanismos de financiamento e gestão dos recursos públicos para área educacional em tempos de avanços significativos de modelos neoliberais de estrangulamento de políticas públicas governamentais. Há tempos que a educação básica pública vive um processo moribundo de equívocos e negligência em suas políticas. O cenário é a agonia de um sistema assimétrico, ineficiente, perdulário e esgotado. Novos motes educacionais como terceirização do sistema público para entidades privadas e ONGs ou a ampliação esquizofrênica e mercantilizada do “ensino a distância” apenas ressaltam a agonizante falência das políticas públicas. As supostas variantes de lucrativos modelos privados de ensino constituem quase invariavelmente num aglomerado ficcional e cuja tarefa é a surrealista formação mercantilizada e egocêntica do “cidadão-consumidor”. Ao contrário do exposto exaustivamente na mídia convencional e apregoada por falsos arautos da educação e suas falácias mercantis pelas soluções simplificadoras e privatizantes, enquanto a educação não vir a ser conduzida como uma verdadeira e efetiva política de Estado, os conhecimentos gerados pelos estabelecimentos de ensino público continuarão a serem fardos inúteis e estéreis para milhares de crianças e jovens fomentando uma sociedade cada vez mais dividida pela barbárie entre ricos e pobres e encartada por uma minguada e ficcional classe média míope, angustiada e surreal.



1. Introdução

Qual a lógica que permeia o debate sobre educação? Ensinar o que, e para quem? Por que a educação é apenas uma moeda de troca quando setores do empresariado reclamam da falta de “mão-de-obra especializada”? Qual a importância da educação numa sociedade que não consegue se libertar das amarras da concentração e disparidade econômica? Estas são algumas das questões nada triviais que se escondem dentro da alcova dos “fazedores de política” e que impactam diretamente a imensa população de analfabetos, herdeiros do “analfabetismo funcional” e os “instruídos” sem emprego.

É indiscutível que o debate a respeito da educação pública ganhou força nos últimos anos. Também vem se tornado igualmente indiscutível a importância da educação na construção hipotética de uma sociedade mais dinâmica e socialmente mais justa. Todavia, colocar unicamente sobre os ombros dos educadores toda a responsabilidade por um quadro deletério do ensino público brasileiro é o mesmo que ignorar uma série de políticas assimétricas, equivocadas e insuficientes geridas há décadas por sucessivos governos.

O legado das políticas públicas na área educacional reflete a natureza da concentração de renda e as graves disparidades sociais. Nas grandes metrópoles espalhadas pelo país, é conivente um ensino com elevados níveis de excelência ao lado de escolas de total precariedade em sua infra-estrutura mínima. No caso de São Paulo, estado de maior concentração econômica, coexiste em suas fronteiras três das melhores universidades do país e de reconhecimento mundial (USP, UNESP e UNICAMP), em contraste com escolas públicas depauperadas, desestruturadas, carentes das mínimas condições para sua simples abertura.

Campeão em número de profissionais da educação no país, São Paulo é um paradigma dissonante convivendo com a mais importante fatia da concentração industrial e financeira da federação e uma pífia qualidade de suas escolas de ensino básico, o que pode ser auferido em qualquer sistema de avaliação. A assimetria revela muito mais que uma mera falta de desconexão entre os baixos investimentos e resultados na educação, mas, sobretudo uma falta de norte de uma política que propicie uma construção de um novo modelo escolar que atenda as necessidades básicas de suas população.

A Conferência Nacional de Educação Básica, a ser realizada em 2008 no Distrito Federal, poderá servir de bússola para as políticas educacionais. Para tanto, sua estrutura será feita a partir da consulta entre os diversos atores da área da educação reunidos a partir das Conferências Estaduais. Em São Paulo, a Conferência Estadual de Educação Básica ocorreu em dezembro, na cidade de Guarulhos. O evento contou a participação de mais de mil pessoas ligadas a alguma entidade representativa da educação dentro dos limites do Estado de São Paulo e que buscaram contribuir para a realização da etapa nacional da Conferência.

O presente texto tem como objetivo central um breve relato das políticas governamentais de educação praticados nos últimos anos (décadas de 1990 e 2000), uma síntese da Conferência Estadual de Educação Básica no âmbito paulista e algumas metas que o autor propõe para o Poder Público dentro de um projeto nacional inter-governamental e suprapartidário intitulado Esforço Nacional para a Educação Básica (ENEB), cujo objetivo primordial é a erradicação do analfabetismo, valorização dos profissionais da educação, criação das escolas integradas de educação, saúde e esporte e a implantação da educação básica gratuita e de qualidade em tempo integral para todas as séries e em todos os estados da federação, incluindo o Distrito Federal. Não existem mudanças substanciais sem a ruptura de velhos paradigmas que inibem o desenvolvimento e a dispersão da igualdade de oportunidades dentro de uma sociedade.


2. Principais programas governamentais para a Educação Básica (1988-2007)

O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 assegura a educação como sendo o “direito de todos e dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Segundos diretrizes governamentais, a Educação Básica é composta pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Em tese, a Educação Básica tem como função assegurar a todos os brasileiros a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes os meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Os principais documentos norteadores da Educação Básica: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 e o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/2001, regidos pela Constituição Federal.

Um detalhe que passa muitas vezes despercebido por grande parte dos brasileiros é que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabeleceu como sendo dever do Estado a progressiva extensão da obrigatoriedade do Ensino Médio, ou seja, no limite, o Estado não tem a obrigatoriedade de oferecer cursos de Ensino Médio.

O Plano Nacional de Educação (PNE) estabeleceu metas para a educação no Brasil com duração de dez anos que garantisse, entre muitos outros avanços, como esclarece o Ministério da Educação, “a elevação global do nível de escolaridade da população, a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis, a redução das desigualdades sociais e regionais, a ampliação do atendimento na Educação Infantil, no Ensino Médio e no Superior”. O Plano Nacional de Educação, tal como foi concebido, previu uma reavaliação de suas metas em cinco anos. Segundo o Plano Nacional de Educação, ao Ensino Médio devem ter acesso todos aqueles que concluam o Ensino Fundamental em idade regular.

Além das verbas orçamentárias previstas pela Carta Magna, foi criado um fundo suplementar para garantir maior aporte de investimentos para a educação, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Com o fim do FUNDEF em 2006, foi instituído e regulamentado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Iniciado em janeiro de 2007, o projeto inicial de sua implantação, segundo o Ministério da Educação, ocorrerá de forma gradual até 2009, quando o Fundeb atenderá todo o universo de alunos do Ensino Básico público presencial.

Em 2007 o governo lança o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) articulado com todos os segmentos e cujo objetivo prometido é “investir na educação profissional, na educação superior e na educação à distância”. O PDE tem como alcance a aplicação de um piso salarial nacional dos professores (atualmente, segundos dados do próprio Ministério da Educação, mais de 50% desses profissionais ganham menos de R$ 800,00 por uma jornada de 40 horas semanais)[2]. O PDE visa promover uma junção entre os diferentes segmentos setores da educação o que aparentemente representa uma nítida concentração de recursos e diretrizes nas mãos do governo federal. No que se refere ao Ensino Superior, uma preocupação evidente e assimétrica são as metas de dobrar o número de vagas das universidades federais, porém com o anúncio de apenas 20% de acréscimo de investimento no setor até 2017.

Dados de 2005 da Pesquisa Nacional por amostragem de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatística (PNAD/IBGE) indicam que do total da população na faixa etária entre 15 e 19 anos (um universo de cerca de 18 milhões de jovens), apenas 45% (cerca de 4 milhões) encontravam-se matriculados neste nível de ensino. Em 2006, 2 milhões de alunos concluíram o Ensino Médio. Cerca de 400 mil jovens ingressaram nas universidades e 700 mil concluíram ensino técnico.


3. Os fundos estatais para a educação: FUNDEF e FUNDEB

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) é um Fundo de natureza contábil, que foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de 12 de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de 27 de junho de 1997 e implantado, nacionalmente, em 1º de janeiro de 1998, quando passou a vigorar esse novo mecanismo de redistribuição de recursos destinados ao ensino fundamental.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, 25% das receitas dos impostos e transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios se encontram vinculados à Educação. Com a Emenda Constitucional nº 14/96, 60% desses recursos da educação passaram a ser sub-vinculados ao Ensino Fundamental (60% de 25% = 15% dos impostos e transferências), sendo que uma parte dessa sub-vinculação de 15% chegava ao ensino fundamental por intermédio do FUNDEF, que promovia a partilha dos recursos entre o Governo Estadual e seus municípios, de acordo com o número de alunos atendidos em cada rede de ensino.

Em 20 de junho de 2007 foi sancionada a Lei Nº 11.494/2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Em vigor desde o dia 1º de janeiro deste ano, por Medida Provisória, o novo Fundo substitui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).

O FUNDEB terá vigência até 2020 e atenderá segundo dados do Ministério da Educação, a partir do 3º ano, 47 milhões de alunos da educação básica, contemplando creche, educação infantil, ensino fundamental e médio, educação especial e educação de jovens e adultos.


4. A etapa paulista da Conferência Estadual da Educação: avanços, patinações e falsas retóricas

A Conferência Estadual da Educação Básica de São Paulo (CEE-SP) realizada na cidade de Guarulhos em dezembro de 2007, pode ser considerada um marco no que ser refere ao debate exclusivo com relação ao tema da educação. Uma agremiação de organizações sindicais, governamentais e não-governamentais (ONGs) tiveram seus representantes delegados no evento. A Conferência paulista foi uma das etapas para a preparação do texto de referência para a Conferência Nacional da Educação Básica que será realizada em Brasília, em 2008. Todos os estados da federação realizaram suas conferências que por sua vez incrementaram adições, supressões ou modificações ao texto de referência.

O que se trata no texto referência? Na prática, um conjunto de bondades idílicas para a educação. Fazendo uma leitura e excluindo o termo “Brasil”, poderia se encaixado para qualquer país no hemisfério norte, Noruega, Suécia, Finlândia ou Canadá, tal é o grau de generalidades e “bom mocismo” presente do texto. Aos olhos de qualquer pessoa que desconhece a situação de descalabro presente na educação pública, parece que a Suíça é aqui! O tom intimista que o texto apresenta em primordial foco é o tema da diversidade. Como se todos os problemas básicos da educação pública já estivesse hipoteticamente solucionados, o texto dá larga margem para a discussão da diversidade, ou seja, as relações assimétricas de classe, raça, gênero, idade e orientação sexual. Obviamente, o tema da diversidade é importante para compreendermos e convivermos com as diferentes correntes sócio-antropológicas presentes na sociedade brasileira, porém dar total atenção a um aspecto não central das raízes da falência do ensino público é errar ou desorientar o foco das reais razões que precisam ser superadas na educação pública.

Alguns colóquios debateram a questão da valorização do magistério e as promessas governamentais para o setor. Uma grande preocupação que tange uma parte significativa da CEE-SP foi quanto à fiscalização dos recursos públicos, em particular, do extinto FUNDEF e do FUNDEB. A histórica margem de corrupção nacional esvazia o dinheiro público e deixa milhares de crianças destituídas de um mínimo de padrão de qualidade nas escolas. Os gargalos burocráticos precisam ser vencidos para que de fato o dinheiro chegue à escola, e da escola, o pleno repasse de serviços para o aluno. Nenhum governante ou burocrata foi para cadeia por afanar dinheiro da educação básica neste país, e cabe à Justiça e ao Poder Público deixar o corporativismo de lado e buscar penalizar efetivamente os fraudadores do erário.

Na conferência, o debate sobre as verbas destinadas à educação concentrou algum fôlego. O país tem uma das maiores discrepância de gastos quando se compara o investimento relativo à a educação básica e superior. Em 2003, o país gastou anualmente (valor-referência em dólar) US$ 870 por aluno com educação primária, enquanto a educação superior ficou em US$ 10.054, ou seja, uma relação de 11,6 (quase doze vezes mais investimento por aluno no ensino superior em relação à educação primária). Na América Latina esta relação é muito mais inferior: o México corresponde a 4,1 e o Chile, 3,3. Nos países europeus o índice é muito mais baixo, como Suíça, 3,2, Alemanha, 2,5. Nos Estados Unidos o índice gira em trono de 2,9. A priori, não é que o investimento em educação superior é altamente elevado no Brasil, mas sobretudo que a educação básica não tem uma política de investimentos realmente sustentável, daí, cria-se a contradição e os falsos mitos e retóricas com a manipulação de estatísticas.

O país segue a política do “cobertor curto”, quando estica de um lado, descobre o outro. Nos últimos anos houve um esforço para “colocar a criança na escola” e o resultado foi a ampliação do número de matrículas. A questão da qualidade foi deixada de lado em nome de políticas muito mais preocupadas com as cartilhas neoliberais de “ajuste sócio-econômico” e as famigeradas projeções eleitoreiras. De fato, houve um esforço para criar matrículas dentro das escolas, porém o número ainda foi insuficiente. Além disto, houve uma transferência substancial de alunos da rede estadual para a municipal criando uma superposição de atribuições na luta fratricida por verbas do FUNDEF. Com a política de Desvinculação das Receitas da União (DRU) adotada desde 1994, dispositivo que permite ao governo federal usar como desejar 20% do total dos impostos arrecadados, estima-se que a educação perdeu um acumulado de cerca de R$ 72 bilhões (somente em 2007, a perda chegou a R$ 7,7 bilhões para os cofres do Ministério da Educação).

Dois pontos considerados relevantes tratados na CEE-SP se devem a discussão sobre a valorização e formação do professor e a questão do ensino à distância. O primeiro aspecto a ser considerado é a formação do professor que vem se contabilizando nos últimos anos como um verdadeiro mercado de diplomas. As faculdades privadas promovem um verdadeiro teatro circense onde e vale tudo para vender seus cursos de qualidade duvidosa, prometendo desde descontos até aulas somente no final de semana. Não raro as “promoções” em que o aluno paga por uma licenciatura e ganha outra de “graça”! Não raro as licenciaturas de dois a um ano de duração e sem o mínimo de fiscalização do Ministério da Educação. Já a chamada “formação continuada” o festival de irregularidades e bizarrices não tem limites. Uma série de convênios escusos com entidades privadas (muitas delas sem a menor experiência ou vínculo com a área de educação) é firmada pelo Estado em nome de “parcerias” para cursos que nunca chegam de fato ao professor, e pior ainda, não contribuem em nada na sua formação ou atualização. Uma corrente de dispêndio de gasto público, ineficiência e superfaturamento entram no rol das calamidades que se abate no erário e na educação pública. O resultado é a perpetuação da ignorância dentro dos quadros funcionais do magistério. O segundo ponto é a farra do curso à distância. Se por um lado as dimensões continentais do país prejudicam uma maior dinâmica das comunicações e treinamento de trabalhadores, por outro lado, é justamente nestes rincões que mais é preciso o curso presencial para fazer valer a transmissão de conhecimento e sanar as eventuais dúvidas. Não se justifica realizar um curso inicial de licenciatura, por exemplo, à distância, ou seja, diante de um tubo de televisão ou na tela de computador. Se nenhuma outra categoria profissional conhecida aceita que sua graduação inicial fosse de uma maneira esterilizada e econômica via tubos de TV ou PC, por que os professores da educação básica deveriam então ser submetidos às tais práticas? Em nome da economia de investimentos o resultado é o desastre na formação do profissional da educação. É importante frisar que o tópico referente à educação à distância foi rejeitado pelos delegados presentes na CEE-SP, representando um dos poucos avanços significativos para o texto de referência a ser debatido próximo ano em Brasília.

Lamenta-se, entretanto a ausência nos colóquios e debates a respeito da implantação da educação básica integral que é primordial para um novo modelo de concepção da educação. A permanência do aluno em uma escola que possua um caráter ontológico da educação é também um fator de recuperação de auto-estima e proteção social, principalmente no que se diz respeito às áreas de risco de milhares de locais espalhados pelo país. Uma educação básica integral e, em particular, o ensino médio atrelado a um ensino profissionalizante, faz com que a escola não venha a ser apenas um campo de concentração social, mas um espaço que possibilite a criança e o jovem realizar e participar da construção de seu próprio potencial de desenvolvimento humano.

O que se aprende hoje na escola serve realmente para alguma coisa? Não existe nenhum suporte para a escola e sem uma infra-estrutura que possa apoiar o desenvolvimento do aluno. Sem um grupo de médicos, enfermeiras, psicopedagogos, psicólogos, dentista e fonoaudiólogos as escolas simplesmente funcionam com se cada aluno fosse uma máquina e que não necessitam nada além de uma carteira, cadeira e alguns papéis para rascunhar. A escola representada por esse modelo falido de educação pública uma entidade estanque, acéfala e autônoma.


5. O não-reconhecimento da barbárie e o esvaziamento da crítica

Quais os objetivos da educação pública? A realidade para quem peregrina entre as diferentes unidades de ensino espalhados pela cidade de São Paulo é um universo totalmente disforme com características básicas comuns. O modelo atual de educação básica nas escolas públicas paulistas (em particular os ensinos fundamental e médio) e é empilhamento de crianças e jovens dentro de uma pobre arquitetura de escolas que na maioria dos casos lembram verdadeiros presídios. O que podemos esperar hoje de um jovem que passou onze anos de sua vida num sistema educacional famélico de recursos e idéias? Isto não assusta nem mesmo o ministro da Educação, Fernando Haddad, quando o foi interpelado por órgãos da imprensa sobre os desastrosos resultados do desempenho do Brasil nas avaliações internacionais.

É importante ressaltar quais os projetos desenvolvidos pela burguesia brasileira e o projeto nacional que foi desenvolvido no país. Um projeto concentrador de recursos e renda de uma pequena elite agrária-industrial-financeira e que excluiu e marginalizou todo o restante da população. Diga-se de passagem, que a educação pública é um amotinamento de pobres e cujo potencial será tão somente de contigenciar o exército de reserva de mão-de-obra desqualificada para um mercado de trabalho cada vez mais escasso de empregos.

Por que não reconhecer a barbárie impregnada no ensino básico brasileiro? Quanto mais periférica a escola é situada, maior é o seu grau de esfacelamento e total perda de identidade. A realidade é dura e sem direito a concessões retóricas. Atingimos o fundo do poço há tempos e é necessário o reconhecimento da miséria educacional para que se possa revolucionar a educação básica.

A barbárie não se explica apenas na diluição dos currículos e na falta de orientação dos projetos educacionais, mas também no sucateamento da profissão docente. Os baixos salários obrigam os professores a ter uma jornada estafante de até 60 horas semanais, além de trabalhar em mais de uma escola, seja ela privada ou pública. Tão oneroso para o paciente se assistido por um médico com fadiga assim como um aluno tendo aulas por um professor já exausto. O resultado reflete em vários pedidos de licenças-médicas custosas aos cofres públicos e que interrompem o processo educacional. Na barbárie, o professor é apenas um apêndice da máquina de triturar pessoas e desqualificar o trabalho docente e a criatividade do aluno cuja promoção deletéria é resultante de um sistema falido de educação pública. Até mesmo a questão do estágio-docência é um mero formalismo estéril e que prejudica os ingressantes ao magistério.


6. O mito da educação à distância e a galinha dos ovos de ouro dos fast foods da educação

A mercantilização é a forma mais estéril de produzir conhecimento. As linhas de produção fordistas produzem quantidade crescente de lixo educacional cujo destino é o consumo em massa de conhecimento das carteiras escolares. As empresas se transformam em fast foods educacionais promovendo e vendendo ilusões de apostilas e “métodos de ensino” através do marketing, lobby e da corrupção em quantidade crescente de assédio nas prefeituras para adoção do material didático. Os ovos da galinha são de ouro, ou seja, o lucrativo nicho de livros didáticos, “métodos educacionais” e a promoção o “ensino a distância” faz com que o mercado fervilhe de oportunidades aos “empreendedores”. O conhecimento se transforma em mercadoria que são transitados nas prateleiras e dependente do poder de compra de seus “clientes”: “(...) a mercantilização crescente da educação, que passa a ser adquirida conforme o poder aquisitivo de seus compradores. Tal qual no sistema nacional de saúde, com a proliferação dos chamados planos de saúde, a educação de qualidade passa a ser direito de quem possa comprá-la. E quem não pode?[3]” (MATTOS, 2005, p. 199-120).

A implantação de uma rede de educação à distância em primeiro lugar, diminui sensivelmente custos, economiza na contratação de professores e técnicos, não precisa de espaço físico e pode ampliar seus horizontes para o mundo inteiro através da rede mundial de computadores (a Internet). Cabe então ao estudante deste processo toda a carga de responsabilidade por sua formação e um longo adestramento e formatações que o possibilite “enquadrar-se” dentro do limitado espaço concedido pelo vídeo ou pelo software. Nesse processo, a criatividade é completamente atropelada é basta a condução simbólica de cliques e toques no controle remoto como a única interface entre aluno e a máquina.

A educação a distância como proposta para “qualificar” os professores é mais um mecanismo de fôlego curto e, na ausência momentânea de alternativas aos cursos presenciais, extremamente localizados a ser aplicado em condições emergenciais. Requer também uma disciplina rígida e controlada para que o aluno tenha uma auto-organização que lhe permita absorver as informações fornecidas pela tela. Em nome de uma suposta modernidade tecnológica, o adestramento de docentes é um sinal perigoso de que a pasteurização social e a imbecilização coletiva está sendo cada vez mais resgatada e premiada.


NOTAS:


[1] Versão preliminar preparado a partir da participação do autor como delegado da APEOESP na Conferência Estadual da Educação Básica, em dezembro de 2007 na cidade de Guarulhos (SP) .

[2] Segundo a Confederação Nacional dos trabalhadores em Educação (CNTE), média salarial do professor situa-se entre R$ 500 a R$ 700 por uma jornada de 40 horas semanais (dados relativos a 2002).

[3] MATTOS, W. Educação nacional: pobreza do direito e (não) direito dos pobres. In: VALLA, V. V., STOTS, E. N., ALGEBAILE, E.B. Para compreender a pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto: Escola Nacional de Saúde Pública, 2005.