quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Educação e Barbárie: Adaptação ao Caos na Política da Mediocridade


Em sua luta pela existência (Dasein) os homens necessitam do esforço do conhecimento, da procura da verdade, porque não encontram revelado de imediato o que é bom, justo e benéfico para eles. (Herbert Marcuse, “Cultura e Psicanálise”)


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Uma grande capacidade humana é o poder de adaptação nas mais áridas situações e ambientes. Praticamente em quase todas assimétricas regiões do planeta Terra existe presença humana no desenvolvimento de algum tipo de sociabilidade entre núcleos de indivíduos. As privações materiais ou ambientais são trabalhadas de forma que a luta pela sobrevivência seja a força-motriz de atos e ações individuais ou coletivas. Neste mecanismo de sobrevivência, uma situação de barbárie poderá ser configurada de forma a atenuar seus efeitos deletérios a tal ponto que possa se tornar “aceitável” a degradação humana em troca de algumas “sublimações” ou “concessões” da dignidade básica que constitui o ser humano. Sorrateiramente, é no ritmo das “concessões circunstanciais” que se alicerça o grande perigo para a própria sobrevivência humana.


Uma curta matéria do matutino “Folha de S. Paulo” desta quinta-feira, 05/11, merece ser digno de nota. Com o título, “Rio treinará aluno para agir durante tiroteio” o jornal destaca o projeto da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro de “treinar” professores para agirem em situação de tiroteio. “A partir do ano que vem, medida vai envolver 100 mil estudantes e 4.000 professores de 150 escolas em áreas de risco”, destaca a reportagem. Um detalhe inusitado do programa é o nome do projeto da prefeitura carioca com apoio da UNESCO: “Escolas do Amanhã”. Para deixar mais insólito o debate, na mesma reportagem, assinala uma “crítica” da ex-secretária de Educação do Rio de Janeiro, Regina de Assis: “Os professores e alunos já sabem como agir. Isso é jogada de marketing”. Traduzindo: a barbárie do tiroteio alvejando ambientes escolares na cidade-olímpica é tão natural quanto o ar com cheiro de pólvora que adentram nos pulmões das crianças. Mais surreal impossível!


Sem desejar recair numa bizarra e provinciana comparação dos níveis de violência genocida entre São Paulo e Rio de Janeiro, esta simplória matéria no jornalão paulista poderia causar maior torpor nos leitores mais desavisados ou que não tem muito conhecimento das implícitas realidades do cotidiano. Com merecidos créditos, a cidade-olímpica cuja proteção imaginária é feita pela generosidade do Cristo Redentor é o alvo de toda saraivada de críticas pela escalada absurda de violência. Todavia, utilizando uma pieguice expressão conhecida popularmente como “chutar em cachorro morto”, é muito mais fácil criticar o óbvio do que olhar o que está atolando os próprios pés. Poder-se-ia inferir afobadamente que a Guerra Civil Fluminense é um problema local e longe das demais “realidades brasileiras”. Ledo engano! O que falar da violência silenciosa que contaminou quase todo o sistema de Ensino Básico das escolas públicas do Estado de São Paulo?


A estupidez da barbárie do cotidiano escolar não é apenas restrito aos limites da Grande São Paulo e segue interior adentro. Cada vez mais, sem maiores alardes e dentro da surdina que range os portões escolares, a tolerância ao consumo de drogas dentro e fora de recintos escolas e o medo que muitos profissionais da Educação têm que conviver em ambientes degradados longe de possibilitar o convívio de seres humanos. Avolumam-se exponencialmente inúmeros casos de agressões por parte de alunos contra professores. "Ofender", "intimidar" e "ameaçar" são verbos usuais cada vez mais empregados na rotineira relação psicanaliticamente atormentada entre professores e alunos. A adaptação aos insultos gratuitos é uma rotina consagrada de grande parte dos professores na sua tarefa “sacerdotal” de operar ilusórios milagres educacionais em regime de total devassidão de sentido. A impunidade e a certeza que toda relação humana se baseia numa truculência assimétrica de valores e significados é um terreno fértil para a perpetuação de contínua elasticidade das condições de barbárie.


A ação que mais caracteriza o ambiente escolar, em especial das escolas públicas geridas pelo governo de São Paulo é o fingimento. Como a Alice no “País das Maravilhas”, personagem da obra clássica do britânico Lewis Carroll, o governo tucano através da Secretaria de Educação (SEE-SP) há duas décadas que patina num mundo encantado de um mágico surrealismo fingindo que organiza a Educação pública. Há poucas semanas, Paulo Renato Souza, o atual secretário que ocupa a pasta da SEE-SP do governo José Serra, concedeu uma entrevista para as Páginas Amarelas da amarelada “Revista Veja”. Na neoliberal e colonizada Revista Veja, Paulo Renato demonstrou que é um excelente secretário de Educação sueco ou finlandês e buscou fingir que conhece a realidade do sistema educacional que gerencia. Na política do caos, o sórdido modelo tucano de Educação Básica é meramente culpar os professores por todas as mazelas do sistema e jogar a sociedade contra a classe trabalhadora na Educação (prática usual de governos neoliberais). O atual mote da gestão de Paulo Renato é um imbecilizado “Plano de Carreira” que utiliza o cínico modelo da “meritocracia” por meio de senis provinhas como meio de coerção dos professores. Nas entrelinhas do “Plano de Carreira” já aprovado pela Assembléia Legislativa de São Paulo (ALESP), os professores do Ensino Básico do Estado de São Paulo serão os primeiros servidores públicos do país que terão o “privilégio” de constituir na primeira categoria a não ter mais isonomia salarial e ter anulado qualquer possibilidade de reajuste salarial via decreto-lei! Logo, para auferir lampejos que assegure qualquer aumento salarial, os professores terão que se submeter às esdrúxulas “provinhas” sob o cínico rótulo da meritocracia. Na adaptação à barbárie, não será estranho em brevíssimo tempo a movimentação de boa parte do professorado a torrar seus escassos níqueis em inúmeros “cursinhos para as provinhas” entre suas estafantes e caóticas jornadas de trabalho. Desta forma, diante do caos arquitetado pela irresponsabilidade e incompetência da SEE-SP, para a grande maioria dos professores a reivindicação de direitos básicos se tornou “inutilmente” obsoleto e, conseqüentemente, a única saída é “aceitar” a barbárie como forma de sobrevivência. Sintomático!


E segue a política do cinismo tucano e a ocultação da violência nas unidades escolares. A SEE-SP finge que tem uma equipe de segurança de policiais que fazem à risível “ronda escolar” com profissionais tão preparados quanto à Guarda Municipal que vive espancando camelôs no centro da capital paulista (mais outro bizarro cenário do cotidiano paulistano!). Com uma invisível política de segurança pública dos arredores das escolas, a SEE-SP finge que dá segurança aos precários prédios escolares. Com o consumo cada vez mais freqüente de drogas e seu facílimo acesso por parte dos alunos, tal conjunto de fatores constituiu numa geratriz de profunda dispersão da violência dentro das unidades escolares. O mais incrível é que tudo é jogado ao “Deus dará”: sem apoio do Estado para dar garantias mínimas para alunos, professores em situações de risco, sem uma política antidrogas e sem assistência médica e psicológica o resultado é o fingimento por parte do Poder Público do zelo pela Educação pública. Naturalmente, a violência dentro das unidades de ensino por parte de livre trânsito de drogas é apenas um dos aspectos que torna a unidade escolar um ambiente de profunda angústia e palco de inútil confinamento de seres humanos o qual leva o mote singelo de “educação”. Mais uma vez, boa parte das unidades escolares não passa de arcaicos campos de concentração. E a situação é ainda mais caótica!


Para ficar restrito ao caso de São Paulo, é importante frisar o fracasso retumbante do modelo pedagógico-educacional praticado pela SEE-SP. A adaptação subserviente ao caos na Educação Pública é a ordem primaz que diretores, professores e funcionários lutam diariamente para gerenciar a escassez de recursos, norteadores pedagógicos e de significado social montados em prédios que inúmeras vezes lembram muito mais à cadeias públicas. Para citar um tétrico exemplo, o autor que aqui escreve já trabalhou em uma unidade escolar integrante do sistema público da SEE-SP onde se fazia presente três enormes e pesados portões de ferro que separavam a rua do interior da “cadeia”, ou melhor, “escola pública”. Seguramente, poucas delegacias de polícia ou centros de detenção possuem formidável sistema de portões trancafiando seus confinados! A arquitetura do medo e da opressão é peça integrante da arquitetura da barbárie.


A adaptação à barbárie é a célula-mater do modelo desenvolvido pelas sucessivas gestões tucanas em São Paulo. Em belíssimas propagandas eleitoreiras do governo de São Paulo, as cenas são dignas de paisagens educacionais suecas, canadenses ou finlandesas: professores e alunos tão felizes como se estivessem num verdadeiro Paraíso dos Trópicos. Lá no Rio de Janeiro como cá em São Paulo, a adaptação ao caos é a via por onde a sociedade cinicamente se permite “aceitar” numa condição de barbárie para si e para suas vindouras gerações. Lembrando apenas em períodos eleitorais, a Educação pública é vista como algo secundário, marginalizado e situa-se como uma “dádiva” dos ricos para os filhos dos pobres condenados à serem trabalhadores no refugo do modelo capitalista, nada é levado realmente a sério neste fundamental setor social.


Para exemplificar, com a sordidez digna das novas gerações de políticos que apenas operam a “via democrática” para a manutenção do “status quo” vigente, o Brasil conseguiu consolidar um dos principais parques automobilísticos do mundo com alta capacidade tecnológica e uma sofisticada logística para atender o mercado interno e externo. Paradoxalmente, regurgita um falido e catastrófico sistema de Educação Básica. A força e compromisso do grande capital no exclusivo modelo capitalista é naturalmente com a geração de mais-valia e às favas para os seres humanos. No moto-contínuo capitalista, os humanos são apenas peças descartáveis de sua complexa engenhoca de criar auto-replicação do capital.


A cada ano, em movimento eleitoreiro, o governo das três esferas de poder alardeia aos quatro cantos do eleitorado uma nova “injeção” de recursos para a Educação. Como num passe de mágica, nada efetivamente se observa com alguma materialização, exceto algumas escolas estrategicamente “modelar” para fazer propaganda política. A constatação óbvia é que a Educação Básica “para pobres” nunca foi política prioritária de nenhum governo. Histericamente, as escolas privadas com alto valor nominal de suas mensalidades inventam miraculosamente uma série de “recursos pedagógicos” de duvidosa contribuição para o ensino-aprendizado dos seus alunos. Quando não é trivial distinguir se o ambiente privado de educação foi projetado para a finalidade de “educar” ou se constituírem em mais um shopping-center para incitar a futilidade consumista de seus alunos e extorquir dinheiro de seus respectivos pais ou responsáveis legais. Para este modelo, o princípio básico é agradar os pais dos alunos e, estes por sua vez, conseguir que sua prole conquiste assento em alguma universidade (claro, de preferência uma universidade pública!). Neste modelo mercantilizado de “conhecimento bancário”, como a tarefa da Educação Básica fosse tão somente pré-fabricar vestibulandos e futuros “bixos”. Logo, entre açougues, borracharias e quitandas, para muitos ufanistas do “modelo privado” do livre mercado da Educação, a adaptação à mediocridade caótica não é apenas “mérito” do sistema público de ensino.


A história é sempre tão conhecida e exaustivamente repetitiva: enquanto a Educação Pública verdadeiramente e visceralmente não for um projeto de Política de Estado para redefinir o papel do Estado no sistema educacional, continuará as velhas retóricas e suicidas práticas de adaptação à barbárie. Alertando que a barbárie não faz nenhum tipo de concessão para a vida e a dignidade humana. A adaptação de alunos aos tiros de metralhadores e pistolas ou a violência explícita dentro das unidades escolares é comprovação mais que evidente da falência gritante das políticas públicas do Estado.


Ademais, quando o Estado se torna inoperante e não é mais capaz de produzir ou conduzir suas ações, permite produzir um “vácuo” de poder econômico, social e político. No ínterim, insere-se nesta fenda um “Estado Paralelo” movido pela corrupção e controle de elementos que recriam a seu bel prazer uma nova “ordem” dentro do caos. A ordem do medo, da coerção e do gerenciamento delinqüente da “coisa pública” desestabiliza qualquer Estado e deixa exposta a face mais cruel da barbárie que atinge frontalmente vítimas indefesas. Relegar a Educação aos excrementos mais fétidos das inócuas políticas públicas neoliberais em troca de discursos ficcionais e a propaganda eleitoreira é construir em surdina os trágicos alicerces para uma sociedade cada vez mais insustentável do ponto humanitário. A adaptação humana à barbárie é também a sua melhor forma de auto-extermínio.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Café da Manhã ou Jantar?: A cruel opção em cenas da barbárie cotidiana da Educação Básica de São Paulo


Pense rápido e escolha somente uma única opção em duas alternativas possíveis: Você deixaria seu filho sem café da manhã ou sem jantar?


Por mais patética ou cretina que seja a pergunta, este foi o dilema que muitos pais que tem filhos nas creches da Prefeitura de São Paulo tiveram que enfrentar na semana passada. Segundo a Agência Folha, tais pais “receberam um formulário com duas opções: escolher se o filho ficará sem café da manhã ou sem jantar. O papel não podia ser levado para casa e tinha de ser respondido no local”. Motivo? Um corte em 20% da verba municipal destinada à merenda escolar de 120 mil crianças atendidas em creches paulistanas. Segundo ainda a Agência Folha, a estimativa é de que 60 mil crianças, ou seja, metade dos alunos matriculados das creches terá uma refeição a menos nas creches!


Falta compromisso social e sobram “planilhas técnicas”. A prefeitura da cidade que tem o maior orçamento municipal do país alega que por “razões técnicas” com a mudança dos turnos dos alunos com redução de jornada (ou seja, diminuindo o tempo de 12 horas para 10 horas de permanência da criança na creche), haveria um remanejamento de refeições que possibilitaria a “economia” para os cofres públicos. Segundo o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, apurado pela Agência Folha, o gasto médio mensal da prefeitura com alimentação nas creches será 20% menor, caindo de R$ 2,85 milhões para R$ 2,28 milhões.


Para variar, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) como se nada tivesse acontecido (a moda pegou!), disse que não sabia e que “se foi uma decisão equivocada é evidente que sim [podemos reavaliar]. Com a maior humildade”. A explicação do secretário de Kassab é mais inusitada. Segundo Schneider, a decisão não seria economizar, mas o fato apenas decorrência das “razões técnicas”: "O gasto mensal com merenda é de R$ 36 milhões, incluindo todas as escolas. A mudança no cardápio das creches vai representar menos de R$ 600 mil de economia”. A pergunta que cabe é pertinente: tirar alimentação básica de crianças em idade de crescimento é pura incompetência ou inteira má-fé?


Fundo do poço. São gestos desta natureza que percebemos a total desorientação das políticas públicas de educação básica do país. Adentrando ao inferno, já no falido sistema público de educação básica do Estado de São Paulo, a situação é o retrato sem Photoshop da terra-arrasada. Além da total falta de segurança nos prédios escolares, é sabido que falta de tudo (a expressão já virou uma trágica desgastada redundância!): de merenda básica para os alunos à falta de número mínimo de funcionários como, por exemplo, inspetores de alunos e cozinheiros na esmagadora maioria das unidades de ensino da rede pública estadual.


A situação da grande maioria das unidades escolares públicas é digna da podridão dos ranços dos campos de concentração de Auschwitz. Com a barbárie instalada, pergunta-se o motivo da resistência ou leniência que o Ministério Público tem em agir para poder simplesmente fechar estes prédios públicos e forçar o governo e reconstruir todo o seu sistema educacional. A gestão tucana conseguiu o feito de destroçar o que já estava ruim no sistema básico de educação. Nas mãos das irresponsáveis e nefastas políticas neoliberais, o futuro da educação básica pública é tão obscuro e desanimador quanto o presente.


Letargia e aneurisma social. Semana passada em matéria da Agência Folha, uma tecnocrata do Ministério da Educação disse que seria “mito” dos que alegam que a educação básica agora esteja “pior” do que no passado. Segundo a tecnocrata, a explicação seria que antes eram poucas as opções de educação pública e agora se atingiu a universalização do acesso, apesar da precariedade. Tal belíssima análise até poderia ganhar um retumbante Oscar pela dramaturgia dantesca se a situação fosse ficção. Todavia, a realidade é outra e alarmante, principalmente que tais declarações é oriunda de uma “policy maker” que em tese deveriam pensar na Educação como uma construção vital para qualquer país e não como meros números de uma bolorenta cesta de estatísticas.


A questão da Educação não deve ser tratada do ponto vista da simplificação estéril do “caráter técnico”. Tampouco com o nariz torto dos que acham se tratar de “entulho” estatal como é fixado no inconsciente da grande maioria dos burocratas e políticos. Pensar em Educação é atuar na estratégia de construção e consolidação dos pilares fundadores de qualquer país alicerçado na idéia de estado-nação. Relegar o plano educacional às cabeças ocas da acefalia burocrática é assassinar qualquer projeto de viabilidade institucional em longo prazo de qualquer nação. Quem ganha com um país estúpido povoado de analfabetos completos ou analfabetos funcionais? Numa democracia do planeta se consolidará com um exército de seres marginalizados e atirados ao relento atados miseravelmente somente com a sorte e o crucifixo.


É inacreditável que passado praticamente toda a primeira década do século XXI e ainda encontramos escolas públicas de educação básica dignas dos lugares mais nefastos da pobreza subsaariana do continente africano. Escolas sitiadas pela marginalidade e a precariedade reinante em todas as dimensões. Corpo técnico e quadro de professores amplamente acuados e desmotivados e com salários estupidamente ridículos.


É importante frisar (sem sinais de cansaço!) aos que não entenderam ainda sobre a realidade, em especial aos “policy makes” de plantão: a Educação é feita de seres humanos para a construção humanitária de outros seres humanos. A política educacional não é linha de produção em série de insumos como aço, petróleo, concreto ou plástico. É impossível definir “critérios técnicos” como o desumano e assassino corte de verbas para alimentação de crianças. Sim, senhores “policy makes”, crianças e também adolescentes são seres humanos e quem sabe poderiam até ser um filho dos senhores. Aliás, não seriam... Na maioria dos casos, a reprodução da mediocridade é clonada: os filhos destes “policy makes” estudariam em suntuosas e estéreis escolas privadas de linha de produção mercantil para se tornarem no futuro outros “policy makes” imbecilizados ocupando as tarefas dos seus próprios pais.


Outra pergunta que cabe urgir se trata da questão “tempo”: até quando a sociedade e o Ministério Público permitirão o silencioso esfacelamento da educação básica nas escolas públicas de São Paulo? O drama é aprofundado se levar em conta que São Paulo é o estado mais rico economicamente da federação e proporciona um destroçado sistema público de educação básica. Portanto, indaga-se em qual vala-comum se encontra a educação básica das escolas públicas nos demais estados do país, em especial nas regiões centro-norte e nordeste?


Depois de feita a escolha alimentar, aos que possuam alguma lanterna nas profundezas oceânicas, acionem a luz!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Escola Pública, Marketing Eleitoral e Hipocrisia: O governo Serra e a perpetuação dos campos de concentração educacionais


Em plena corrida a sucessão ao Planalto, o governador de São Paulo, José Serra lançou um prosaico plano de carreira para o magistério público do Estado. Imaginando que se resolverão anos de corrosão e decadência da educação pública paulista promovido por sucessivos governos tucanos, Serra tira da sua cartola um plano bem ao estilo da sua linha pseudo-ideológica: as benditas “provinhas” de punição aos professores. Como descreveu a jornalista da Folha de S. Paulo, Mônica Bergamo:


A proposta, que contemplará os 130 mil professores concursados, prevê a criação de cinco faixas salariais: a inicial será de R$ 1.834; depois da primeira prova, os mais qualificados terão 25% de aumento, passando para a segunda faixa; três anos depois, eles realizam a segunda prova e têm mais 25%; e assim por diante, até a quinta faixa. Pela projeção do secretário Paulo Renato Souza, da Educação, os salários poderão alcançar R$ 7.000 no fim da carreira. Quem for mal nas provas terá que se contentar com os reajustes tradicionais (Folha de S. Paulo, 03/08/2009).


Com o cinismo das palmas para o novo “milagre educacional” da dupla Serra e Paulo Renato está, como sempre, o jornalista Gilberto Dimenstein, o Todo-Poderoso intelectual da Educação da FOLHA. Para os jornalões paulistas que apóiam a candidatura tucana para a sucessão de Lula, agora tudo se resolveu! O teatro se resume na seguinte premissa: “a culpa pelo descalabro da Educação é somente dos professores, logo eles serão responsabilizados e punidos por tudo isto!”. Como a política tucana é a punição ao funcionalismo público, com o anuncio do mirabolante plano de carreira para o magistério paulista atrelado às provinhas “avaliativa” para que o professor possa conquistar a ficção do aumento salarial. Segundo o milagre de Serra, o professor ganhará até o final da sua carreira cerca de sete mil reais ao mês para quem tem hoje um salário-base por volta de um mil reais!


Entretanto, as superficiais análises dos jornalões pró-Serra esqueceram-se de escrever em suas matutinas colunas que tal valor dos monumentais sete mil reais mensais somente será atingido (“se Deus quiser!”) após de 16 anos de trabalho, se e somente se, após aprovação em provas e mais provas (de conteúdo desconhecido e nenhum critério estabelecido) até atingir a mágica nota “nove”! Independente do tempo de serviço, se não for aprovado, não ganhará nenhum centavo adicional! Nota nove para uma gestão que é um redondo zero no ramo?


Pergunta dirigida aos mágicos de plantão e sua platéia: qual outro ramo do serviço público, com exceção dos professores, se submete ao ridículo, patético e humilhante joguete de provinhas para obter algum suposto naco de aumento salarial?


Aos que aplaudem Serra e Paulo Renato, provavelmente vão se apoiar no apologético sistema da meritocracia. Estamos no fundo do poço do sistema educacional paulista, sem nenhum horizonte de perspectiva governamental, anos de arrocho salarial e festejar qualquer sistema de meritocracia é, no mínimo, um debochado insulto. Como faz parte da política tucana, o trabalhador do sistema público é tratado como indolente, preguiçoso ou coisa do gênero. Por sua vez, o funcionalismo público terá que passar por um marqueteiro “choque de gestão” em Recursos Humanos (por sinal, a iniciativa privada com a fabricação de milhares de desempregados – o exército de reserva – adota com freqüência os tais métodos de coação de seus trabalhadores). Aliás, o ex-governador tucano, Geraldo Alckmin adorava esbravejar tal bordão em suas campanhas eleitorais até entrar em curto-circuito pelas urnas e pelo bico do próprio partido!).


Ressalta-se: uma questão é a construção permanente de uma política salarial para uma categoria, outra questão completamente diferente é capacitação profissional. É inequívoca a urgência de uma reestruturação e capacitação de boa parte dos trabalhadores em educação, todavia isto jamais poderá ser feito pelas vias totalitárias da punição e coerção. Planos de carreiras não podem ser confundido como um absurdo sistema ineficiente e punitivo. Numa sociedade que se articula através do trabalho, é natural que o trabalhador seja a essência primaz de consolidação da arquitetura social.


Para a mídia, isto tudo é um belo teatro para fabricar notícias adornadas com um fantástico programa de “provinhas meritocráticas”. Para os pais, acreditarão que seus filhos assim terão melhores professores. Os filhos seguirão o mesmo raciocínio dos pais. Para a classe dos professores fragmentada, inerte e humilhada, acreditará que terá finalmente algum aumento em seus rendimentos. Para a tal “opinião pública”, a sensação que os tucanos estarão conduzindo bem a política educacional. E finalmente para os maiores interessados nesta política teatral, os tucanos terão muito a explorar à exaustão em peças de marketing para promover Serra-2010. Porém, tudo isto não passa de ficção hipócrita e barata!


Na semana passada, numa só canetada, Serra simplesmente condenou qualquer lampejo de suposto aumento salarial da categoria e sinalizou que prosseguirá a política voraz do arrocho! Condenou a todos os professores a mais profunda estupidez: eles terão agora que se submeterem às provinhas para ter algum aumento (se não tirar “notinha”, ficará com a mesma “rendinha”!). Serra ainda passou por cima de quaisquer acordos que poderiam convergir de um sistema intersetorial (sindicatos, acadêmicos, trabalhadores e governo) de discussão para um verdadeiro plano de carreira para a categoria. E por sua vez, colocou nova lápide no mais catastrófico sistema de gestão educacional do país. Sempre é necessário ressaltar que as escolas públicas paulistanas beiram muito mais à calamidade humanitária proveniente dos odiosos campos de concentração de Auschwitz do que qualquer modelinho europeu ou estadunidense que ronda a cabeça de políticos tucanos e seus aliados.


Acima dos salários está a necessidade de ter um mínimo ambiente saudável de trabalho. Dentre tantos problemas sociais, são três os mais gritantes e alarmantes sistemas públicos de alocação de pessoas e serviços do Estado de São Paulo: o penitenciário, o educacional e o de saúde. São sistemas completamente falidos, desumanos, insanos, acéfalos e que se tornaram inúteis socialmente. É importante salientar que são sistemas públicos que há muito tempo entraram em profundo colapso, com profundas hemorragias e tecido necrosado. Não serão com meros curativos eleitoreiros que reativarão sua funcionalidade social.


É fundamental que o magistério público estadual paulista vença sua gripe de letargia (muito mais grave do que qualquer similar “suína”!) e possa se elevar contra a nova manipulação eleitoreira da categoria recusando o tal “plano de carreira” do Serra e Paulo Renato. Cabe também aos partidos que se autodenominam “esquerda” e contrários às políticas neoliberais de desmonte do Estado, se manifestarem em prol de um novo modelo educacional e um verdadeiro plano de carreira para um classe que se encontra acuada como feitores involuntários dos campos de concentração patrocinado pelas calamitosas sucessivas gestões neoliberais.