segunda-feira, 30 de junho de 2008

ONGS, Educação e Poder Público: entre a promiscuidade e a inversão de papéis


Em decisão na assembléia nesta última sexta-feira, 27/06, no vão livre do MASP, foi aprovado pelos presentes a continuidade da greve dos professores do magistério público estadual. Em geral, excetuando o jornal da família Mesquita, “O Estado de São Paulo”, a mídia deu algum destaque à assembléia. O fato que me chamou atenção em particular foi uma matéria publicada no sábado, 28/06, na “Folha de S. Paulo” com título “Entidades se divide sobre paralisação”. A priori, imaginei que seria a contumaz oposição entre APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de S. Paulo) e o sindicalismo funerário do CPP (Centro do Professorado Paulista). Todavia, ao ler a reportagem, veio a surpresa: se tratava das “posições políticas” de duas ONGS (Organizações Não-Governamentais), e assim foi transcrito a tal “divisão”: “Campanha Nacional pelo Direito à Educação é favorável à paralisação; o TPE (Todos pela Educação), mantido por empresários, é contra”. Conclusão, duas obscuras ONGS falando em nome dos professores. Isto vem se tornado um cenário que preocupa cada vez mais quando a política é diluída e os atores políticos são entidades mascaradas com obscuridade de seus representantes em nome de questões sociais.

Tive a curiosidade via GOOGLE de buscar conhecer tais ilustres entidades. A tal “Campanha Nacional pelo Direito à Educação” tem um site sem conteúdo e sem menor nexo ou informações de seus representantes com a imagem prosaica e politicamente correta de risonhos adolescentes multi-coloridos. A outra entidade, “Todos pela Educação (TPE)” é mantida pelo grande empresariado encabeçado pela Gerdau e seguido pelos outras entidades tais como Grupo Suzano, Fundação Roberto Marinho, Bancos Bradesco, Itaú, ABN AMRO Real, Santander e liderado pelo “Instituto Ayrton Senna” da empresária e eterna figurante do supra-sumo tablóide fashion da burguesia tupiniquim Revista Caras, Viviane Senna. O site “corporativo” da TPE tem a curiosa “missão” de “contribuir para a efetivação do direito de todas as crianças e jovens à Educação Básica de qualidade, até 2022, bicentenário da independência do nosso país”. Quase angelical! Pergunta: e depois de 2022, vai fazer o quê com as crianças e adolescentes? Uma série de retóricas fanfarronas mergulhadas em indecifráveis clichês econométricos tentam dar um aspecto de “seriedade e responsabilidade” à tal organização. Na pauta, a “gestão” da educação. Como se o sistema educacional fosse simplesmente uma quitanda a ser “gerida” pela ótica empresarial, submissa a números, tabelas e estatísticas de logística, compra, venda.


Quase invariavelmente, as ligações entre ONGS e Poder Público são marcadas por uma obscuridade de contratos e ações. Dificilmente existe uma clareza com relação aos papéis desempenhados pelas entidades “sem fins lucrativos”, e muitas vezes, quando não existe um verdadeiro esquema de corrupção envolvendo tais filantrópicas e políticos locais. Quem são e o realmente desejam tais entidades? Nada é muito claro e de bondade o inferno sempre esteve com sua capacidade máxima de ocupação.


A partir dos anos 1990, houve um esvaziamento mais contundente da política e da esfera pública por conta da dispersão do neoliberalismo e suas nefastas doutrinas de “Estado Mínimo”. Neste ínterim, o Poder Público tendia a deixar de cumprir suas obrigações essenciais para a manutenção de sua capacidade de gerenciamento passando então a terceirizar seus processos decisórios. Neste vácuo, em todos os cenários sociais, surgiu uma miríade de ONGS que se propunham a cuidar desde a sexualidade do mico-leão-dourado até o repasse de merenda escolar. Gradativamente, abrir uma ONG foi muito mais lucrativo do que muitos negócios lícitos. O mais curioso e preocupante é o apoio e a infiltração que muitas ONGS se infiltraram nas organizações e partidos políticos de todos os lastros ideológicos. Os partidos que ainda se auto-denominam de “esquerda”, em particular o Partido dos Trabalhadores (PT), são loteados por uma série de ONGS gozando de obscuros contratos com os diversos governos pelo país. Não é raro que filiados de partidos políticos “estranhamente” estão à frente destas ONGS e desfrutando de contratos estatais e com poderes decisórios de políticas públicas.


É relevante lembrar que uma ONG nada mais é do uma mera empresa privada e ponto final. Não são movimentos sociais e tampouco são claro seus objetivos além de um belo e altruísta cartão de visitas. Possui seus empregados e obedece quase sempre uma lógica corporativa de mercado. É ainda endossada por benesses estatais que permitem tal empresa não ser onerada com impostos e além de obter incentivos financeiros ou tributaristas para aquisição de patrimônio.


A reunião destas ONGS vem paulatinamente ganhando mais espaço dentro da sociedade, um segmento pasteurizado denominado Terceiro Setor, ou seja, uma pretensa “terceira via” entre os setores público e privado. Justamente nesta “via terceirizada” que há maior densidade de neblina. Na pouca clareza e discernimento entre os conflitos entre o público e o privado se encontra o locus causal que adentram tais empresas do Terceiro Setor em busca uma espécie de “cimento” que interligaria as duas esferas de atuação dentro da sociedade. Todavia, estas relações terceirizadas são em muitos aspectos nocivas ao Poder Público e o real interesse coletivo da sociedade. Empresas montadas sem a menor condição estrutural ou preocupação com as questões sociais se anexam promiscuamente dentro das ações estatais e articulam políticas a seu bel-prazer representando obscuros interesses. Na Conferência Estadual da Educação em São Paulo patrocinado pelo Ministério da Educação, realizada na cidade de Guarulhos, tive a oportunidade de participar e percebi uma enorme quantidade de ONGS que estava inscritas no evento com suas reivindicações totalmente desarticuladas e pleiteando interesses próprios em nome da sociedade.


A privatização das funções do Poder Público põe em risco todo o aparato estatal na governabilidade real de suas atribuições. A suposta lógica do Estado Mínimo contribui para o esfacelamento da condução das ações estatais na medida em que permite os grupos muito bem articulados definirem as pautas sociais sem levar em consideração a realidade. É ainda importante ressaltar a atuação das ONGS internacionais, na prática, verdadeiras empresas transnacionais, e geridas por capitais obscuros (em particular, dinheiro provindo do erário de países dito de Primeiro Mundo e empresas interessadas economicamente numa dada região do planeta) e atuam diretamente dentro dos países em particular no Terceiro Mundo. As ONGS, em geral, quanto mais forte economicamente, maiores são os impactos de suas ações, decisões e lobby perante uma miríade de governos e coloração ideológica. Geralmente são montados “assessorias e convênios” destas ONGS para trabalharem diretamente com governos locais. Este aspecto foi muito claro onde pude constatar pessoalmente em Porto Alegre na Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Cidades (CMDC 2008), organizado pelas Nações Unidas. A todo o momento, literalmente esbarrava com algum represente de ONG com sua caixa de Pandora aberta oferecendo miraculosas assessorias para prefeituras e políticos. Uma das mais curiosas exposições foi o stand da empresa Positivo onde estava demonstrando um pequeno modelo de “laptop” que poderia ser usado por alunos em escolas públicas. Neste caso, não existia mais uma diferenciação entre ONGS, empresas privadas e Poder Público, mas sim uma mescla de interesses que não visariam o bem público, mas sobressalente os interesses corporativos e políticos em épocas de campanha eleitoral.


O Terceiro Setor não é apenas uma nuvem passageira, mas um polpudo nicho econômico que deve permanecer por muito tempo intermediando as relações entre o público e o privado. É uma fantástica oportunidade de obter lucros com negócios sem lastro competitivo (ou seja, o “capitalismo sem riscos”) uma vez que atrelados ao aparelho estatal, sua função seria a permanente ação e aplicação de seus interesses privados para a esfera pública via jurisdição de bons “contratos filantrópicos”. Os programas vendidos por estas empresas são verdadeiros “pacotes fechados” onde o Estado compra seus serviços e são distribuídos pela população de acordo com as mais obscuras relações entre ONGS e agentes públicos.


Quando o discurso político é esvaziado, submisso aos interesses imediatistas do mercado e suas práticas são terceirizadas, definitivamente são desfeitos os laços que regem a diferenciação das duas esferas entre o público e o privado. O resultado dessa união promiscua de esferas opostas se explicita no espaço público ser gerido ao sabor de máfias “oficializadas” sempre bem organizadas, articuladas e lucrativas.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A Greve do Magistério Público Paulista


Enfim chegou a greve dos professores da rede pública paulista!... Antes tarde do que mais tarde ainda!... Fim das eleições sindicais! Depois que os diretores da APEOESP se aconchegaram em seus cargos na doce disputa pela direção da entidade e os mesmos seguem tranqüilos com seus vencimentos à custa dos salários dos professores, agora com benevolência decidiram pensar na sua base... Independente do jogo de cena de alguns atores "sindicais", o que importa de fato é a retomada de uma consciência de grande parte dos professores e professores das condições precárias e surreais de seu ofício. Uma classe tão heterogênea e nutrindo-se de tênue verniz que buscar fazer alguma amálgama com a chancela de "rede pública", as dificuldades para a organização e coordenação deste universo disforme de trabalhadores não é algo trivial, principalmente neste momento histórico particularmente tão turvo, opressor e alienado para a classe trabalhadora ou o que restou dela.


O tucanato paulista no governo do Estado sabe o quanto à categoria dos professores está desgastada e sem poder de reivindicação anos após anos de falência e descaso com educação pública. A consolidação da greve não é apenas um passo para marcar posição, mas acima de tudo, um movimento ascendente de retomada da auto-estima do ofício de professor. Nunca houve na história das conquistas sociais benesses gratuitas e até mesmo a implantação da política do (antigo?) Estado de Bem-Estar social em grande parte dos países europeus não foram construídas por meio de dádivas de algum oráculo religioso. Por mais que grupelhos conservadores, a mídia liberal e "pensadores" a serviço de um niilismo fascista neguem a importância do movimento dos trabalhadores, são os homens e mulheres que fazem do seu oficio diário à permanente batalha pela dignidade e sobrevivência num mundo cada vez mais hostil que alguns rotulam por "sociedade civilizada".


Ano passado, as universidades públicas estaduais paulistas entraram em greve e, em particular, a Universidade de São Paulo (USP). Um episódio que ficou conhecido na época, filmada pela lente de um celular anônimo e transmitida no noticiário televisivo da Rede Globo, foi à patética cena do Prof. Elcio Abdalla empurrando alunos e carteiras a fim de entrar na sala de aula no Instituto de Física da USP (IFUSP). Simplesmente, teatral! Nesta ocasião a mídia conservadora fez a festa, como de praxe, criticando as greves e os “arruaceiros”. Tive o desprazer de ler o blog do santo-do-pau-oco tucano, Reinaldo Azevedo, um dos editores e colunista da fascistóide revista Veja. Azevedo assim como a grande maioria dos admiradores da exclusão social como causa "natural" do darwinismo social ao estilo de Herbert Spencer, condecora Abdalla como "nosso herói" e apoiado por uma série de supostos visitantes “nacionalistas” de seu blog. Como ex-aluno do IFUSP, conheci o prof. Abdalla na sala de aula e também suas posições políticas de arrogância, prepotência e intolerância. Também como é praxe, enquanto muitos alunos e professores faziam greve, o grupinho do professores do Departamento de Física Matemática aliados de Abdalla ministrava aulas normalmente como se nada tivesse acontecendo no planeta USP. Isto remete a muitos professores "Abdallas" espalhados pelo magistério público, vestem a carapuça de Pilatos como se os problemas viscerais da escola pública fosse coisa de “gente vagabunda” de Júpiter ou Saturno. É possível alegar que também existe o direito de “não fazer greve”, ótimo! Mas se tratando de algum norteador de “justiça”, enquanto um ou outro se passa por “bom moço”, o restante “grevista” são seres estúpidos? Discurso conflituoso! Uma das lógicas da dissolução dos movimentos sociais é criar o antagonismo dentre os próprios elementos de classe e com isto desencadear a própria extinção do movimento.


Com o sucateamento do magistério, dar aulas virou um "bico", uma complementação de renda ou cadeira de espera para "alguma coisa melhor no futuro". Sem a consolidação de uma carreira com remuneração compatível que privilegie a fixação do professor ao seu oficio, dificilmente mudará esse quadro de desertificação e diluição da profissão. Entre outras perversidades, o que existe de fato é a acentuação de um ciclo nefasto composto de faculdades privadas picaretas (geralmente irrigadas com financiamento público) com chancela do MEC produzindo professores com formação cada vez mais deficiente adicionando as condições precárias de trabalho e remuneração irrisória cujo ápice é a formação de exércitos de alunos com analfabetismo funcional. Uma ínfima parcela destes alunos que sobreviveram ao sistema educacional complementará o ciclo ao adentrarem nestas mesmas faculdades e posteriormente ingressará no sistema educacional público. E assim, novamente o ciclo é refeito. A situação se torna anacrônica: de um lado, o governo permite o precário funcionamento de muitos galpões que se intitulam "faculdades" e não privilegia a ampliação de vagas nas universidades públicas; por outro lado, o governo diz que quer punir os supostos "maus professores". Midiático, mágico e simplificador. Com a corrida presidencial à vista, o negócio é fazer marketing político! Todavia, não adiantará soluções paliativas e panfletárias via decretos governamentais cujo único interesse imediatista é colocar os professores contra a opinião pública como sendo os "vilões" deste inútil e apodrecido sistema público de educação. O tucanato paulista há mais de uma década vem paulatinamente destruído toda e qualquer possibilidade de saída do sistema educacional do atoleiro que se encontra às trevas.


A verdadeira revolução que desencadeará um novo paradigma de sociedade ainda a ser feita passará necessariamente pelas profundas transformações que levem a um novo modelo de educação reestruturada a partir de uma nova identidade que não seja a mera reprodução estéril, mercadológica e imbecializada do modelo fordista de impressão de diplomas.


O sistema capitalista é digno de David Copperfield, consegue transformar brutais disparidades econômicas em banais questões "naturais". Tudo é visto como conseqüência natural e, claro, se limita na mera esfera do sucesso ou fracasso particular dos indivíduos uma vez que as oportunidades são "livres" a todos. Os trabalhadores e trabalhadoras não podem se postularem como meras peças repositoras e descartáveis dentro de um processo replicante de produção auto-contínua, seja ela material ou não. Uma greve não é apenas uma necessidade, mas deverá ser sempre um instrumento libertário contra a opressão e a subserviência política e socioeconômica.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

O jeito do tucanato paulista de destruir a educação pública


Começo pedindo permissão de antemão ao companheiro, colega de IFUSP e do magistério de Osasco/SP, Washington Bastos, para a reprodução de sua mensagem enviada por e-mail neste domingo, 01 de junho. Abaixo, suas palavras:

(...)

Ao ir a sub-sede apeoesp de Osasco nesta sexta passada me deparei com o Decreto 53.037 de 28 de maio de 2008, nele o Governador assume definitivamente seu carater autoritário e ataca mais uma vez o magistério paulista, por Decreto investiu contra a lei 444/85 o estatuto do magistégio e alterou:

1. O concurso de estadual passa a ser regionalizado

2. O Prof. em estagio Probatório não participa de remoção;

3. No âmbito de substituição art.22, cria uma serie de restrições que inviabilizam a própria substituição pois quando a professora ou professor:

a. tiver sofrido penalidade nos ultimos 5 anos

b. apresentar mais de 10 faltas de qualquer natureza

c. tirou licença de qualquer natureza, exceto gravidez

4. Quanto aos OFA's deixa de existir a classificação por tempo e passa-se a ter de fazer uma prova regionalizada onde o candidato concorre a vaga na UE e depois é classificado para concorrer a vagas na DE.


As evidências são mais do que atestadoras. Os sucessivos governos do tucanato paulista (Mário Covas, Geraldo Alckmin e agora José Serra) se mantêm fiéis ao claro propósito de sucateamento maciço das condições de trabalho e destruição dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e da educação pública do Estado de São Paulo.

É fundamental a clareza por parte de todos os trabalhadores e trabalhadoras da estrutura educacional paulista que não se trata de políticas isoladas ou instrumentais de uma dada gestão ou de algum secretário da pasta. É um conjunto de políticas que tem como sentido básico a uma total flexibilização de direitos e metodologias pedagógicas com o claro intuito de economizar verbas (ou seja, os desvios clandestinos da “mobilidade de recursos”) e fazer clara propaganda ficcional para eleição de qualquer maneira para o retorno de um tucano para o Palácio do Planalto em 2010 (ou seja, para usufruto político do próprio candidatíssimo governador Serra).


O sucateamento da educação nas gestões do tucanato paulista se alardeia em anos sucessivos de arrocho salarial, “superprecarização” das condições de trabalho e o fosso pedagógico seguida da desertificação da aprendizagem por parte da população discente. A cada novo secretario de Educação, nenhuma natureza que busque ao menos minimamente atuar nas raízes endêmicas da desertificação deste modelo educacional. Ao contrário, é na criminalização crescente dos professores com decretos e mais decretos que simplesmente roubam dos trabalhadores e trabalhadoras os mínimos direitos já conquistados.


Não há ilusão sobre a eficiência desta política necrófaga imposta pelo tucanato. Ela é eficiente no que se propõem a fazer. A ideologia dominante perante a sociedade recai na “culpa” do descalabro da educação pública como sendo “obra dos próprios professores”. O discurso é claro e contunde: somente é o profissional da educação o responsável por tudo. E o mais surpreendente neste tipo de discurso é a aceitação quase pacífica dos próprios “réus” de seus supostos “crimes”, ou seja, a categoria docente. Logo, a educação pública parece ser vista como um imenso buraco negro onde nada e, absolutamente, nada é possível ser construído para um novo modelo. A visão é do mais profundo e estéril ambiente de guerrilha entre professores contra professores ou direção dentro da unidade escolar. Quem não se lembra do baluarte midiático que meses atrás a gestão Serra criou culpabilizando professores de uma dada escola pública por recolherem minguados trocados dos alunos para cópias de material didático (infelizmente, uma pratica comum na desertificação das condições mínimas de trabalho docente)? E o que ficou de lição? Nada. De uma maneira quase invariável, a categoria docente aceitou tamanha estupidez governamental calmamente como um “fato isolado”. E das trevas oriunda dos sindicatos da categoria, o silêncio.


E quanto à mobilização sindical? Outro deserto. Estamos em épocas de danças das cadeiras na APEOESP e o objetivo principal é cada um dos ocupantes de cadeiras e candidatos aos mesmos postos feudais se digladiarem entre si ou em turma. “Chapa 1” contra “Chapa 2” ou “Chapa 3”, e vice-versa na dança das chapas. É plausível imaginar como numa “guerra das chapinhas” com farinha de trigo, o importante é deixar a “roupa nova” do outro todo sujo para não ir à festinha do final do dia (ou seja, não vencer as eleições). Qualquer semelhança com episódios de pastelões televisivos não é mera coincidência. A disputa política é pertinente na tal democracia aburguesada, porém é preciso nortear que(m) se serve(m) deste tipo de disputa. Certamente, não impacta nenhum interesse da categoria que assiste tudo alheia ao estéril “debate”.


Salvo raríssimas exceções, há tempos que as categorias sindicais se descolaram definitivamente de suas bases e criaram uma autonomia e dinâmica própria como “zumbis apátridas”, traduzindo para a o imaginário popular, verdadeiros “cabidões de emprego”. A desertificação da visão sindical contribuiu maciçamente para o descrédito e desmobilização dos professores como construção permanente contra os desmandos sucessivos da gestão do tucanato paulista. A cada nova greve reproduzida na insana e estúpida guerrilha de palanques entre diretores da própria entidade é mais uma possibilidade de mobilização da categoria escorrida pelo ralo. Quem já não se sentiu como um verdadeiro palhaço assistindo ao teatro dos intocáveis “oradores sindicais” do palaquismo do plantão? Na postura feudal de cerceamento das bases sindicais, a APEOESP vem se tornando um sindicato meramente de fachada. O sindicato se infla com recursos da contribuição sindical dos professores, sustendo um vistoso aparato patrimonial que incluí até mesmo um questionável programa televisivo em horário pago para justificar e propagandear os atos feudais de seus diretores. Tudo com recurso dos trabalhadores e trabalhadores que são espoliados a cada dia por decretos que proíbem até os mesmos de adoecerem! Um dos últimos decretos de Serra é o limite máximo de seis abonos por ano. E se caso ocorrência de ausência por doença? Dane-se o professor ou professora e ponto final. E o outro sindicato, o tal CPP? Tem como grande contribuição para a categoria o zelo sistemático com o mortuário de seus membros e o turismo de suas colônias. Num mundo onde o neoliberalismo avança destruindo e flexibilizando direitos trabalhistas, os sindicatos perderam completamente seu horizonte de ação e visão de mundo.


Se os rumos das ações política e sindical parecem incertos num mundo fomentado de falsos paradigmas e dilemas esquizofrênicos, o que fazer para alterar o curso deste córrego? Não há outra alternativa senão uma profunda reflexão de quais caminhos a categoria pretende priorizar: aceitar a superprecarização de seus empregos ou lutar veementemente contra as políticas de sucateamento da educação pública. A profissão docente não é sacerdócio. E não é possível aceitar este paradigma de famigerada dispersão na sociedade. A figura da angelical “tia” é nefasta na educação pública. A categoria precisa entender que não são objetos semi-divinos de “encantamento do saber” onde tudo toca transformamos o “iletrado” num “cidadão do bem”. Estas bobagens precisam ser afastadas do imaginário docente e entender que somos realmente uma categoria de trabalhadores como quaisquer outras. Sofremos com os mesmos dilemas e sucateamento das reformas administrativas que projetam a privatização das funções do Estado. A luta é pela transformação de um modelo inútil e precário por uma alternativa onde a educação seja um motor de transformação e a profissão docente seja o elo fundamental que permite que haja tal manifestação do conhecimento e visão de mundo. Se nenhum aluno é uma ilha do Pacífico deserto, por que cada professor prefere a desertificação como meio de auto-punição de sua desmobilização? É preciso mudar esse quadro de desertificação do horizonte educacional.


Cabe ainda uma questão pertinente: cadê o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que permanece silenciado durante anos de gestão do tucanato paulista? Além de receberem polpudos salários e estarem acima de todas as leis que regem os demais mortais, quando seus enormes glúteos saíram das bem acolchoadas cadeiras para desfraldar o mundo que se passa fora de suas belas janelas? Nenhuma investigação, nenhuma postura que visa buscar respostas para a superprecarização dos contratos de trabalho da gestão tucana, a diluição dos direitos conquistados e perseguição trabalhista dos servidores e o supersucateamento das escolas públicas. Quais as reais ligações que subsidiam o silêncio e a passividade do MP-SP? Para que(m) serve(m) do MP-SP?


À hora é de desertificação e abandono. O aniquilamento do estímulo docente acaba impingindo um movimento de aceitação passiva da diluição dos direitos trabalhistas conquistados. Com isto, a profissão docente se transforma tragicamente em mero aparelho burocrático de transformar papéis em branco em “diplomas” para alunos semi-alfabetizados. A escola cumpre seu papel de agenciador do modelo fordista educacional no aparelho ideológico social ao estilo de Althusser. No modelo de desertificação da educação, a escola pública é constituída em apenas um violento celeiro estéril que tão somente fomenta uma horda de trabalhadores para os serviços terceirizados e no oceano sucateado da economia informal (incluindo neste nicho os “trabalhadores do narcotráfico”).


A reflexão é tão necessária quanto às práxis da mudança. É preciso estar ciente do volume heterogêneo de profissionais que movem a categoria docente e que poderão contribuir decisivamente para a arquitetura de um novo modelo educacional. É preciso dar um basta nas condições deletérias que são empurradas goela abaixo dos trabalhadores e trabalhadoras da educação pública, em especial, os profissionais da escola pública. Aos sindicatos, em particular à APEOESP, está mais do que na hora de cessarem as lutas fratricidas e estéreis por cadeiras e egos de seus diretores, visando criar uma coalizão político-institucional verdadeira em defesa da categoria. Talvez seja preciso refundar à própria APEOESP como um instrumento simbólico para uma nova fase de lutas e sem o retalhamento entre facções que até agora deixaram o sindicato cada vez mais enfraquecido e estéril.


A cúpula do tucanato paulista sabe muito bem das fragilidades da categoria e aproveita essa realidade para exaurir paulatimente os direitos trabalhistas e impregnar o selvagem modelo neoliberal de terceirização da mão-de-obra da burocracia estatal. Enquanto passamos horas estéreis buscando os “culpados” dentro das salas dos professores, acusando-se uns aos outros e rezando na cartilha do modelo tucano de diluição das categorias trabalhistas, assistimos de forma absorta e monolítica a destruição patente da escola pública no maior estado (ou província como preferem alguns “hermanos”) da América Latina. Toda transformação social somente é possível com a unidade e a participação massiva de todos os trabalhadores e trabalhadoras.

A solidão da sala de aula será a lápide da própria profissão docente.