terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Bico Cego Tucano e o Saco de Maldades


Precarização e Proletarização da Educação em São Paulo


O saco de maldades do governo paulista contra a educação pública parece não conhecer limites. Desta vez o tucano José Serra inovou com louvores patéticos: adoção de concurso público para contratar professores temporários que atuará nas escolas públicas. Tal medida não é nenhuma novidade, uma vez que seu rastro deletério já era previamente conhecido dos professores da rede pública e motivo principal de 20 dias de greve deste ano. Como resultado patente do fiasco da greve e das “negociações”, a nova medida já foi divulgada no “Diário Oficial”, desde a última sexta-feira, 31 de outubro.

A “prova obrigatória”, segundo a Secretaria de Educação (SEE-SP) , será imposta para a contração de docentes temporários em nome do conhecimento da suposta proposta pedagógica da gestão por parte de “candidato” e já vale para o próximo ano letivo. Na prática, Serra e sua SEE-SP, oficializam de vez a precarização do servidor público utilizando-se de concurso público para contratar servidores e não efetivá-los, relegando-os à vínculos de duradoura instabilidade no emprego. Para compor o quadro do magistério paulista de cerca de 130 mil professores efetivos (concursados), existe um exército subempregado que gira em volta de 100 mil professores temporários (ou ACTs) trabalhando nas escolas públicas do Estado, seja para substituir professores efetivos afastados ou ocupar cargos em vacância.

É notória a capacidade do ciclo tucano de diluição sistemática de escola pública desde as gestões de Mário Covas, Geraldo Alkimin e, agora, José Serra. Sem rumo algum, a escola pública flutua contemplativamente como excremento no “límpido” rio Tietê. Uma sucessão de secretários de Estado que adornaram seus fartos glúteos na pasta e deixaram como herança o desmonte da escola pública. Projetos meramente oriundos de um imediatismo eleitoreiro, como a falácia da unidade escolar aberta nos finais de semana, bolsas exíguas para mestrado, jornais e cartilhas “pedagógicas”, “Teia do Saber”, “promoção automática” entre outros “projetos” marcaram uma série de inúteis e perdulários confetes pautaram o fracasso da gestão tucana na educação. Arrocho salarial, política obscura de bônus, instalação da “produtividade docente” foram a tônica imutável do governo paulista perante o funcionalismo da escola pública. Alia-se a este quadro, um sindicalismo cada vez mais enfraquecido e submisso às decisões de uma política inapta e irresponsável da SEE-SP.

Hoje o espaço escolar é um território ocioso, subestimado e praticamente inútil. O esboço da escola pública paulista é quase invariavelmente o retrato do caos bem conhecido e anunciado. Com um quadro de funcionários desnorteados e desestimulados, sem a construção de uma efetiva carreira, inexistência absoluta de um projeto realista pedagógico, escolas abandonadas e sucateadas. Entre a ociosidade do espaço público escolar e sua inoperância estratégica pelo qual deveria trabalhar com maior eficiência, o resultado é a violência crescente dentro das unidades escolares e a replicação estéril dos diplomas escolares. Alunos que ficam até onze anos de suas vidas "visitando" a escola pública e, em casos cada vez mais crescentes, saem com um aterrador analfabetismo funcional (ou seja, pessimamente sabem redigir e interpretar algum texto que lêem, exceto algumas páginas de noticiário de futebol onde exibem resultados de jogos e capas internas de modelos da revista Playboy e afins!). Os poucos casos do chamado “sucesso escolar” muito são mais frutos de conquistas pessoais dos alunos dentro de uma teia familiar estruturada e trabalho docente isolado do que mérito global da rede de educação pública. Raros são as escolas que fogem deste diagnóstico que caracteriza o necrosamento do tecido escolar.

O sucateamento do serviço público pela política tucana de cuidar da coisa pública atinge outras esferas da administração. O mais recente e dantesco episódio ocorreu mês passado com a mais absurda guerra tribal entre policiais civis em greve e a polícia militar. Possivelmente, pela primeira vez na história recente do país (e não há registro de outro episódio similar em outras partes do mundo!), o governo paulista patrocionou uma verdadeira batalha fratricida entre os próprios elementos da força pública de segurança do Estado! Para não negociar o sucateamento da política de segurança pública com os policiais em greve, a arrogância tucana de Serra preferiu fazer na porta do Palácio dos Bandeirantes uma construção inacreditável de irresponsabilidade e inoperância de condução do Poder Público. O saldo da batalha tétrica foi o registro de quase três dezenas de feridos! Um dos registros mais interessante foi capitado por este autor que caminhava pelo viaduto do chá e afixado numa lixeira estava o adesivo alertando: “Basta! A polícia exige respeito: greve”. No mínimo, uma questão freudiana muito curiosa de erosão da política de segurança pública e a irresponsabilidade do Poder Público.

É importante salientar que duas das principais bandeiras do neoliberalismo tucano é doação de patrimônio público à iniciativa privada com o pomposo rótulo de “privatização” e a ojeriza atávica pelo funcionalismo público. Na contramão do que vem acontecendo com o estatizante mundo Pós-Wall Street (ou a socialização das perdas dos ricos via bolso do contribuinte pobre), o bico cego dos tucanos ainda circulam com as pífias idéias de “estado mínimo” em nome da crença da auto-regulação do Deus Mercado. Quem faz serviço público é o Estado, a terceirização só faz precarizar condições de trabalho e proletarizar as condições econômicas do servidor público. A “flexibilização” do emprego empurrada goela adentro do trabalhador da iniciativa privada, chega com força cada vez mais abrangente no quadro do funcionalismo público. A irresponsável mídia neoliberal não cansa de vincular no inconsciente social a preconceituosa idéia de que funcionário público é um sinônimo de “ladrão” ou “vagabundo”. Como qualquer situação onde haja participação humana, a “ocasião” só faz o “ladrão” quando existe um sistema público erodido e sucateado, com baixo estímulo ao funcionalismo e precarização das condições do trabalho e fiscalização.

Enquanto houver uma medíocre política neoliberal de desarticulação do Estado, sucateamento e privatização de suas forças produtivas, acelerá cumulativamente o quadro de dificuldades e abandono contra o funcionalismo público e a constante precarização dos serviços públicos prestados à população.


PARA LER MAIS: TAKAHASHI, Fábio. Estado cria prova obrigatória para professor temporário em SP. Folha de São Paulo. São Paulo, 31 de outubro de 2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u462504.shtml Acesso: 03 novembro 2008.


segunda-feira, 14 de julho de 2008

Professores, “vagabundos”; Ensino Público, curral demagógico: a imbecialização da educação básica rumo à barbárie


A questão fatídica para a espécie humana parece-me ser saber se, e até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano de agressão e autodestruição.

(Sigmund Freud, “O mal-estar na civilização”)

* * *

Existe política educacional para o ensino básico no Brasil? Se forem observadas as práticas da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), a resposta é um histriônico “não”! Aliás, é pertinente refletir qual é o atual modelo educacional praticado pela gestão tucana de José Serra, a inércia do Poder Público e a busca da compreensão de qual sociedade realmente se desejam construir a população brasileira.


Pelas cabeças “pensantes” da SEE-SP, a grande moléstia comedida pelo sistema educacional público é a figura do professor. Logo, as premissas de botequim da SSE-SP se constituem com a profundidade de um pires: em síntese, a escola pública é ruim porque o professor falta muito, logo punindo o professor é que se chegará ao Paraíso prometido pelas Sagradas Escrituras do PSDB paulista. Em ressonância com estes atabalhoados preceitos, uma série de decretos vem sendo impostos sistematicamente com o patético propósito de perseguir os professores numa operação de “caça as bruxas”. Um destes decretos é o proíbe os professores apresentarem atestados médicos para justificar possíveis ausências no trabalho. Portanto, os professores ficam estabelecidos pelo decreto mágico do governador Serra a proibição de ficarem doentes! Em nota divulgada no site da SEE-SP, a secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, uma “visionária” da gestão escolar comemora efusivamente os efeitos da mágica tucana após o draconiano decreto: “Notamos uma mudança importante. E isso reflete diretamente na aprendizagem dos alunos, nosso objetivo. É essencial que o professor acompanhe o dia-a-dia dos alunos, que haja continuidade de ensino”. E a ilustre secretária ainda completa com outra pérola mágica da sua atual gestão: “Era uma minoria de professores, mas que prejudicava sobremaneira o trabalho dos outros 87%, que dia-a-dia batalhavam pela aprendizagem dos estudantes”. Claro, claro!... Como sempre a culpa é do “vagabundo” professor (em alusão ao termo proferido pelo “príncipe” tucano da Sociologia brasileira na época que ocupava o Palácio do Planalto para designar a classe dos trabalhadores aposentados no país).


É inacreditável que tais práticas de “gestores públicos” e pérolas são proferidas pelos homens e mulheres que estão à frente da maior rede pública de educação do país. Um extremo amadorismo aliado ao cinismo eleitoreiro que em nada contribui para construir algum sistema educacional realmente digno para os habitantes mais carentes e que necessitam do apoio do Poder Público. Mais incrível ainda é o inércia dos próprios trabalhadores da educação e seus sindicatos. A classe docente da educação básica vive um autismo estrutural sem precedentes em sua história. Uma verdadeira situação de calamidade pública com três atores bem definido: a inércia aliada da incompetência do Poder Público, o autismo dos profissionais da educação e a extrema fragilidade do corpo estudantil. Em suma, um modelo educacional de terra arrasada, perdulária e inútil.


Mais pernicioso que a omissão do Poder Pública é a mentira escachada em nome da mediocridade política em busca de votos em pleitos futuros. Outra mágica da SEE-SP deve ser alertada para a sociedade paulista: à inflação dos números de vagas para o ensino técnico. Segundo a Agência Estado, o governo Serra abrirá 50 mil vagas em cursos técnicos e aliando aos 30 mil vagas existentes, somarão 80 mil vagas. Como explicar esta outra mágica tucana? Simples: o governo criará as 50 mil vagas em 696 escolas estaduais da capital paulista e da Grande São Paulo para um estapafúrdio “curso de gestão de pequenos negócios”. Salienta a notícia da Agência Estado: “o curso será ministrado uma vez por dia e tem duração de três semestres, certificado por diploma do Centro Paula Souza e da Fundação Roberto Marinho. As aulas serão freqüentadas por estudantes do 2º ano do ensino médio e estarão inseridas na própria grade curricular dos períodos noturno ou diurno”. De olho nas urnas, o governo torrará dinheiro público em cursos completamente inúteis, imbecializados e que nada contribuirá para o aprendizado do aluno. Aliás, é a praga senil do “empreendedorismo” bestializado que o governo propõe enxertar nas escolas públicas. Talvez com o desemprego estrutural e a economia informal engolindo cada vez mais trabalhadores, o aluno semi-alfabetizado sairá da escola pública com um diploma de “empreendedor” de seu virtual “pequeno negócio” em algum camelôdromo espalhado pelas ruas das grandes cidades paulistas. Interessante notar a participação de uma entidade privada, a Fundação Roberto Marinho ligada à oligarquia midiática da Rede Globo, no tal “projeto” do curso técnico. Uma questão pertinente: já que a idéia é brotar “cursos técnicos”, será que nenhuma das três grandes universidades públicas estaduais (USP, UNESP e UNICAMP) teria capacidade de desenvolver algum projeto com mínimos neurônios adicionais do que esse estéril “curso de gestão de pequenos negócios” que será excretado para os alunos da rede pública? Mais uma vez, é visto novo desperdício trágico do custo de oportunidade: alunos com imbecilizada formação e mais dinheiro do erário é despejado no ralo. Triste rotina.


A atuação dos sindicatos voltados para o sistema educacional do Estado de São Paulo é constituída de uma mediocridade autista espantosa além de ser constituírem pouco além de cabides de emprego para seus integrantes. Um fato pertinente é conivente atuação da APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) perante os episódios que paulatinamente vem ocorrendo no Estado. Mesmo decreto após decreto, só depois as eleições sindicais que a nova direção (que já nasceu velha em sua metamorfose do “mais do mesmo”) e seus diretores assentaram seus pomposos glúteos em suas cadeiras resolveram “fazer uma greve”. Será mera coincidência? Mobilizaram uma parcela ainda não totalmente fossilizada dos professores para um período de pouco além de uma quinzena de dias. Utilizaram o vão livre do MASP para as habituais e “históricas” reivindicações, entre elas a revogação do “democrático” decreto 53.037, de 28 de maio, que tem dois pontos principais: o primeiro deles limita a possibilidade de transferências de docentes. O segundo impõe uma prova para classificar a ordem dos professores temporários na escolha de classes, até então estabelecida por experiência. Na prática, o decreto proíbe o professor efetivo à permuta de posto de trabalho caso exceda um limite mágico imposto pela SEE-SP de 12 faltas no ano letivo e o outro as misteriosas provas de “admissão” para os professores não-efetivos. Subitamente, na assembléia do dia 06 de julho na Praça da República, a greve é suspensa com a alegação da própria presidente da APEOESP, que o “movimento era vitorioso porque o governo ‘prometeu’ que iria pagar os dias parados”. Retóricas e mais retóricas rocambolescas dos oradores de palanque, após feitas as habituais votações mágicas de quando deseja empurrar uma proposta goela adentro da base, a suspensão da greve foi automaticamente “aprovada”. Parece incrível que o foi votado: tão somente uma promessa de pagamento dos dias parados pelo governo Serra! As reivindicações básicas as quais formaram preliminarmente os pilares desta última greve foram esquecidas em nome de uma lacônica “futura negociação por parte do governo”.


O autismo reinante no movimento dos professores é uma outra explicação sobre a suspensão da greve. Aliás, utilizando da mesma fornalha onde se reproduzem as pérolas preferidas pela secretaria da SEE-SP, o que mais se ouviu na última assembléia entre professores e sindicalistas: o “recuo estratégico” devido ao recesso escolar! Provavelmente os professores paulistas fundaram o primeiro movimento grevista flexível da história: pára nas férias na promessa virtual de continuar o movimento depois que todos voltarem de Cancún, Bariloche ou talvez da Disneylândia! O que não está clara é a participação alienada de um sindicato que cria e destrói um movimento grevista ao bel-prazer. Fica no ar se realmente existe alguma isenção da cúpula da APEOESP com o governo tucano? Neste teatro, do mundo-do-faz-de-conta os professores se tornam cúmplices (in)voluntários de um modelo cuja única conseqüência é a barbárie onde são expostos os alunos e o próprio ofício de professor.

A retórica é o carro-chefe da gestão tucana que elegeu a educação como uma das plataformas demagógicas do futuro salto eleitoreiro do seu governador. Todos os sortilégios de um saco de maldades são acometidos em nome da educação pública e nada é efetivamente feito para cessar seus terríveis efeitos. Para o tucanato que vem se alojando sucessivamente no Poder Público no estado paulista, a educação é apenas uma retórica onde se vive de mera aparência cosmética e resultados pífios. Por exemplo, para quem visita a página da SEE-SP (www.educacacao.sp.gov.br) parece que o Estado de São Paulo está se gabando de um padrão de excelência européia ou de algum Tigre Asiático. E tudo isto na mais docilidade partilha conivente da esmagadora maioria dos próprios profissionais da educação e de seus sindicatos de papel.

Num realista artigo publicado na Folha de S. Paulo neste domingo, 13/06, o professor da Universidade de San Diego (EUA), Kenneth Serbin, destaca a perda de rumo e decência da sociedade estadunidense, o qual a população daquele país está “desprovida de valores” e se “perdeu o respeito pelo outro e se tornou insensível aos problemas dos demais países do globo”. O debate é pertinente quando se discute o declínio do império estadunidense. Todavia, ao fazer um paralelo com a sociedade brasileira, as questões atiradas ao ventilador por Serbin são pertinentes para nossa cultura atávica pelos sabores da mediocridade e parasitismo das práticas do Poder Público.


A indiferença é a retórica que marca os cidadãos das angustiadas cidades de um capitalismo sem precedentes. Quem se importa com a educação pública da plebe se a elite dirigente coloca seus filhos em escolas privadas cercadas de “notório saber”? Para o aluno pobre basta qualquer modelo educacional, qualquer condição de aprendizado, qualquer estrutura física, qualquer coisa que leve nada a lugar algum. Um modelo completamente autofágico e aliado a um cinismo que permeia a sociedade que utiliza o darwinismo social como parâmetro de sua arquitetura. Vale ressaltar que em praticamente em toda a mídia que noticiou a greve dos professores estava estritamente ligada ao congestionamento das vias públicas. Dentro seu carro financiado em centenas de prestações, é como se cada motorista “outsider” da paulistana cidade desejasse com toda sua cínica indiferença ao abaixar o vidro com insulfilme berrar aos quatro ventos: “Tirem estes vagabundos no meio da minha rua!”. Estadunidenses, brasileiros... Sobretudo, “cidadãos” insensíveis e indiferentes!

Professores, vagabundos. Ensino público, curral demagógico. É assim que são construídos os pilares das políticas educacionais paulistas e pelo país afora. A demagogia reinante nas campanhas políticas e os projetos desnorteados que nada produzem ou agregam alguma coisa útil para o verdadeiro sistema educacional. O resultado é tragicamente avassalador: milhares de jovens com educação dada vez mais precária, um modelo educacional esquizofrênico e fossilizado.


Sem uma carreira atrativa, salários irrisórios, condições precárias e violentas de trabalho, sem nenhum estímulo profissional, a docência no ensino público virou apenas um mero “bico”, com profissionais cada vez menos qualificados e sem possibilidade para se qualificarem com alguma seriedade. O Poder Público insiste com políticas completamente estúpidas, equivocadas e estéreis dando largos passos para a barbárie que se acumula ano após ano de sucateamento e abandono.


Qual sociedade futura que a sociedade presente deseja oferecer como herança? No que tange a educação pública básica os resultados das belas estatísticas e cálculos econométricos não condizem com grande parte da realidade. O fosso entre o que é divulgado e o que é vivido na prática se torna cada vez mais ampliado. As soluções mágicas e os “projetos educacionais” que se parecem com angelicais presépios natalinos apenas retiram mais terra desse profundo fosso. Além do peso da inércia devastadora do Poder Público, é no autismo da classe docente uma das maiores praga que assola o caderno de páginas em branco que se vem constituindo a imbecialização improdutiva da educação básica pública rumando a passos largos para a barbárie.



Referências:

Agência Estado. “Escolas de SP terão 50 mil vagas para curso técnico”. São Paulo, 09.07.2008. Disponível em: http://noticias.br.msn.com/artigo.aspx?cp-documentid=8513416

Acesso em 12 de julho de 2008


AGORA. “Governo pagará dias parados só após reposição de aulas em SP. São Paulo, 08.07.2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u420198.shtml

Acesso em 12 de julhos de 2008


Folha de S. Paulo. “Contra desconto em salário, docente ameaça retomar greve em SP”. São Paulo, 09.07.2008.

Disponível em: http://noticias.br.msn.com/artigo.aspx?cp-documentid=8513416

Acesso em 10 de julho 2008.


SERBIN, Kenneth. “Um povo sem decência”. Folha de S. Paulo. Caderno Mais!, p. 5. São Paulo, 13 de julho de 2008.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

ONGS, Educação e Poder Público: entre a promiscuidade e a inversão de papéis


Em decisão na assembléia nesta última sexta-feira, 27/06, no vão livre do MASP, foi aprovado pelos presentes a continuidade da greve dos professores do magistério público estadual. Em geral, excetuando o jornal da família Mesquita, “O Estado de São Paulo”, a mídia deu algum destaque à assembléia. O fato que me chamou atenção em particular foi uma matéria publicada no sábado, 28/06, na “Folha de S. Paulo” com título “Entidades se divide sobre paralisação”. A priori, imaginei que seria a contumaz oposição entre APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de S. Paulo) e o sindicalismo funerário do CPP (Centro do Professorado Paulista). Todavia, ao ler a reportagem, veio a surpresa: se tratava das “posições políticas” de duas ONGS (Organizações Não-Governamentais), e assim foi transcrito a tal “divisão”: “Campanha Nacional pelo Direito à Educação é favorável à paralisação; o TPE (Todos pela Educação), mantido por empresários, é contra”. Conclusão, duas obscuras ONGS falando em nome dos professores. Isto vem se tornado um cenário que preocupa cada vez mais quando a política é diluída e os atores políticos são entidades mascaradas com obscuridade de seus representantes em nome de questões sociais.

Tive a curiosidade via GOOGLE de buscar conhecer tais ilustres entidades. A tal “Campanha Nacional pelo Direito à Educação” tem um site sem conteúdo e sem menor nexo ou informações de seus representantes com a imagem prosaica e politicamente correta de risonhos adolescentes multi-coloridos. A outra entidade, “Todos pela Educação (TPE)” é mantida pelo grande empresariado encabeçado pela Gerdau e seguido pelos outras entidades tais como Grupo Suzano, Fundação Roberto Marinho, Bancos Bradesco, Itaú, ABN AMRO Real, Santander e liderado pelo “Instituto Ayrton Senna” da empresária e eterna figurante do supra-sumo tablóide fashion da burguesia tupiniquim Revista Caras, Viviane Senna. O site “corporativo” da TPE tem a curiosa “missão” de “contribuir para a efetivação do direito de todas as crianças e jovens à Educação Básica de qualidade, até 2022, bicentenário da independência do nosso país”. Quase angelical! Pergunta: e depois de 2022, vai fazer o quê com as crianças e adolescentes? Uma série de retóricas fanfarronas mergulhadas em indecifráveis clichês econométricos tentam dar um aspecto de “seriedade e responsabilidade” à tal organização. Na pauta, a “gestão” da educação. Como se o sistema educacional fosse simplesmente uma quitanda a ser “gerida” pela ótica empresarial, submissa a números, tabelas e estatísticas de logística, compra, venda.


Quase invariavelmente, as ligações entre ONGS e Poder Público são marcadas por uma obscuridade de contratos e ações. Dificilmente existe uma clareza com relação aos papéis desempenhados pelas entidades “sem fins lucrativos”, e muitas vezes, quando não existe um verdadeiro esquema de corrupção envolvendo tais filantrópicas e políticos locais. Quem são e o realmente desejam tais entidades? Nada é muito claro e de bondade o inferno sempre esteve com sua capacidade máxima de ocupação.


A partir dos anos 1990, houve um esvaziamento mais contundente da política e da esfera pública por conta da dispersão do neoliberalismo e suas nefastas doutrinas de “Estado Mínimo”. Neste ínterim, o Poder Público tendia a deixar de cumprir suas obrigações essenciais para a manutenção de sua capacidade de gerenciamento passando então a terceirizar seus processos decisórios. Neste vácuo, em todos os cenários sociais, surgiu uma miríade de ONGS que se propunham a cuidar desde a sexualidade do mico-leão-dourado até o repasse de merenda escolar. Gradativamente, abrir uma ONG foi muito mais lucrativo do que muitos negócios lícitos. O mais curioso e preocupante é o apoio e a infiltração que muitas ONGS se infiltraram nas organizações e partidos políticos de todos os lastros ideológicos. Os partidos que ainda se auto-denominam de “esquerda”, em particular o Partido dos Trabalhadores (PT), são loteados por uma série de ONGS gozando de obscuros contratos com os diversos governos pelo país. Não é raro que filiados de partidos políticos “estranhamente” estão à frente destas ONGS e desfrutando de contratos estatais e com poderes decisórios de políticas públicas.


É relevante lembrar que uma ONG nada mais é do uma mera empresa privada e ponto final. Não são movimentos sociais e tampouco são claro seus objetivos além de um belo e altruísta cartão de visitas. Possui seus empregados e obedece quase sempre uma lógica corporativa de mercado. É ainda endossada por benesses estatais que permitem tal empresa não ser onerada com impostos e além de obter incentivos financeiros ou tributaristas para aquisição de patrimônio.


A reunião destas ONGS vem paulatinamente ganhando mais espaço dentro da sociedade, um segmento pasteurizado denominado Terceiro Setor, ou seja, uma pretensa “terceira via” entre os setores público e privado. Justamente nesta “via terceirizada” que há maior densidade de neblina. Na pouca clareza e discernimento entre os conflitos entre o público e o privado se encontra o locus causal que adentram tais empresas do Terceiro Setor em busca uma espécie de “cimento” que interligaria as duas esferas de atuação dentro da sociedade. Todavia, estas relações terceirizadas são em muitos aspectos nocivas ao Poder Público e o real interesse coletivo da sociedade. Empresas montadas sem a menor condição estrutural ou preocupação com as questões sociais se anexam promiscuamente dentro das ações estatais e articulam políticas a seu bel-prazer representando obscuros interesses. Na Conferência Estadual da Educação em São Paulo patrocinado pelo Ministério da Educação, realizada na cidade de Guarulhos, tive a oportunidade de participar e percebi uma enorme quantidade de ONGS que estava inscritas no evento com suas reivindicações totalmente desarticuladas e pleiteando interesses próprios em nome da sociedade.


A privatização das funções do Poder Público põe em risco todo o aparato estatal na governabilidade real de suas atribuições. A suposta lógica do Estado Mínimo contribui para o esfacelamento da condução das ações estatais na medida em que permite os grupos muito bem articulados definirem as pautas sociais sem levar em consideração a realidade. É ainda importante ressaltar a atuação das ONGS internacionais, na prática, verdadeiras empresas transnacionais, e geridas por capitais obscuros (em particular, dinheiro provindo do erário de países dito de Primeiro Mundo e empresas interessadas economicamente numa dada região do planeta) e atuam diretamente dentro dos países em particular no Terceiro Mundo. As ONGS, em geral, quanto mais forte economicamente, maiores são os impactos de suas ações, decisões e lobby perante uma miríade de governos e coloração ideológica. Geralmente são montados “assessorias e convênios” destas ONGS para trabalharem diretamente com governos locais. Este aspecto foi muito claro onde pude constatar pessoalmente em Porto Alegre na Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Cidades (CMDC 2008), organizado pelas Nações Unidas. A todo o momento, literalmente esbarrava com algum represente de ONG com sua caixa de Pandora aberta oferecendo miraculosas assessorias para prefeituras e políticos. Uma das mais curiosas exposições foi o stand da empresa Positivo onde estava demonstrando um pequeno modelo de “laptop” que poderia ser usado por alunos em escolas públicas. Neste caso, não existia mais uma diferenciação entre ONGS, empresas privadas e Poder Público, mas sim uma mescla de interesses que não visariam o bem público, mas sobressalente os interesses corporativos e políticos em épocas de campanha eleitoral.


O Terceiro Setor não é apenas uma nuvem passageira, mas um polpudo nicho econômico que deve permanecer por muito tempo intermediando as relações entre o público e o privado. É uma fantástica oportunidade de obter lucros com negócios sem lastro competitivo (ou seja, o “capitalismo sem riscos”) uma vez que atrelados ao aparelho estatal, sua função seria a permanente ação e aplicação de seus interesses privados para a esfera pública via jurisdição de bons “contratos filantrópicos”. Os programas vendidos por estas empresas são verdadeiros “pacotes fechados” onde o Estado compra seus serviços e são distribuídos pela população de acordo com as mais obscuras relações entre ONGS e agentes públicos.


Quando o discurso político é esvaziado, submisso aos interesses imediatistas do mercado e suas práticas são terceirizadas, definitivamente são desfeitos os laços que regem a diferenciação das duas esferas entre o público e o privado. O resultado dessa união promiscua de esferas opostas se explicita no espaço público ser gerido ao sabor de máfias “oficializadas” sempre bem organizadas, articuladas e lucrativas.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A Greve do Magistério Público Paulista


Enfim chegou a greve dos professores da rede pública paulista!... Antes tarde do que mais tarde ainda!... Fim das eleições sindicais! Depois que os diretores da APEOESP se aconchegaram em seus cargos na doce disputa pela direção da entidade e os mesmos seguem tranqüilos com seus vencimentos à custa dos salários dos professores, agora com benevolência decidiram pensar na sua base... Independente do jogo de cena de alguns atores "sindicais", o que importa de fato é a retomada de uma consciência de grande parte dos professores e professores das condições precárias e surreais de seu ofício. Uma classe tão heterogênea e nutrindo-se de tênue verniz que buscar fazer alguma amálgama com a chancela de "rede pública", as dificuldades para a organização e coordenação deste universo disforme de trabalhadores não é algo trivial, principalmente neste momento histórico particularmente tão turvo, opressor e alienado para a classe trabalhadora ou o que restou dela.


O tucanato paulista no governo do Estado sabe o quanto à categoria dos professores está desgastada e sem poder de reivindicação anos após anos de falência e descaso com educação pública. A consolidação da greve não é apenas um passo para marcar posição, mas acima de tudo, um movimento ascendente de retomada da auto-estima do ofício de professor. Nunca houve na história das conquistas sociais benesses gratuitas e até mesmo a implantação da política do (antigo?) Estado de Bem-Estar social em grande parte dos países europeus não foram construídas por meio de dádivas de algum oráculo religioso. Por mais que grupelhos conservadores, a mídia liberal e "pensadores" a serviço de um niilismo fascista neguem a importância do movimento dos trabalhadores, são os homens e mulheres que fazem do seu oficio diário à permanente batalha pela dignidade e sobrevivência num mundo cada vez mais hostil que alguns rotulam por "sociedade civilizada".


Ano passado, as universidades públicas estaduais paulistas entraram em greve e, em particular, a Universidade de São Paulo (USP). Um episódio que ficou conhecido na época, filmada pela lente de um celular anônimo e transmitida no noticiário televisivo da Rede Globo, foi à patética cena do Prof. Elcio Abdalla empurrando alunos e carteiras a fim de entrar na sala de aula no Instituto de Física da USP (IFUSP). Simplesmente, teatral! Nesta ocasião a mídia conservadora fez a festa, como de praxe, criticando as greves e os “arruaceiros”. Tive o desprazer de ler o blog do santo-do-pau-oco tucano, Reinaldo Azevedo, um dos editores e colunista da fascistóide revista Veja. Azevedo assim como a grande maioria dos admiradores da exclusão social como causa "natural" do darwinismo social ao estilo de Herbert Spencer, condecora Abdalla como "nosso herói" e apoiado por uma série de supostos visitantes “nacionalistas” de seu blog. Como ex-aluno do IFUSP, conheci o prof. Abdalla na sala de aula e também suas posições políticas de arrogância, prepotência e intolerância. Também como é praxe, enquanto muitos alunos e professores faziam greve, o grupinho do professores do Departamento de Física Matemática aliados de Abdalla ministrava aulas normalmente como se nada tivesse acontecendo no planeta USP. Isto remete a muitos professores "Abdallas" espalhados pelo magistério público, vestem a carapuça de Pilatos como se os problemas viscerais da escola pública fosse coisa de “gente vagabunda” de Júpiter ou Saturno. É possível alegar que também existe o direito de “não fazer greve”, ótimo! Mas se tratando de algum norteador de “justiça”, enquanto um ou outro se passa por “bom moço”, o restante “grevista” são seres estúpidos? Discurso conflituoso! Uma das lógicas da dissolução dos movimentos sociais é criar o antagonismo dentre os próprios elementos de classe e com isto desencadear a própria extinção do movimento.


Com o sucateamento do magistério, dar aulas virou um "bico", uma complementação de renda ou cadeira de espera para "alguma coisa melhor no futuro". Sem a consolidação de uma carreira com remuneração compatível que privilegie a fixação do professor ao seu oficio, dificilmente mudará esse quadro de desertificação e diluição da profissão. Entre outras perversidades, o que existe de fato é a acentuação de um ciclo nefasto composto de faculdades privadas picaretas (geralmente irrigadas com financiamento público) com chancela do MEC produzindo professores com formação cada vez mais deficiente adicionando as condições precárias de trabalho e remuneração irrisória cujo ápice é a formação de exércitos de alunos com analfabetismo funcional. Uma ínfima parcela destes alunos que sobreviveram ao sistema educacional complementará o ciclo ao adentrarem nestas mesmas faculdades e posteriormente ingressará no sistema educacional público. E assim, novamente o ciclo é refeito. A situação se torna anacrônica: de um lado, o governo permite o precário funcionamento de muitos galpões que se intitulam "faculdades" e não privilegia a ampliação de vagas nas universidades públicas; por outro lado, o governo diz que quer punir os supostos "maus professores". Midiático, mágico e simplificador. Com a corrida presidencial à vista, o negócio é fazer marketing político! Todavia, não adiantará soluções paliativas e panfletárias via decretos governamentais cujo único interesse imediatista é colocar os professores contra a opinião pública como sendo os "vilões" deste inútil e apodrecido sistema público de educação. O tucanato paulista há mais de uma década vem paulatinamente destruído toda e qualquer possibilidade de saída do sistema educacional do atoleiro que se encontra às trevas.


A verdadeira revolução que desencadeará um novo paradigma de sociedade ainda a ser feita passará necessariamente pelas profundas transformações que levem a um novo modelo de educação reestruturada a partir de uma nova identidade que não seja a mera reprodução estéril, mercadológica e imbecializada do modelo fordista de impressão de diplomas.


O sistema capitalista é digno de David Copperfield, consegue transformar brutais disparidades econômicas em banais questões "naturais". Tudo é visto como conseqüência natural e, claro, se limita na mera esfera do sucesso ou fracasso particular dos indivíduos uma vez que as oportunidades são "livres" a todos. Os trabalhadores e trabalhadoras não podem se postularem como meras peças repositoras e descartáveis dentro de um processo replicante de produção auto-contínua, seja ela material ou não. Uma greve não é apenas uma necessidade, mas deverá ser sempre um instrumento libertário contra a opressão e a subserviência política e socioeconômica.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

O jeito do tucanato paulista de destruir a educação pública


Começo pedindo permissão de antemão ao companheiro, colega de IFUSP e do magistério de Osasco/SP, Washington Bastos, para a reprodução de sua mensagem enviada por e-mail neste domingo, 01 de junho. Abaixo, suas palavras:

(...)

Ao ir a sub-sede apeoesp de Osasco nesta sexta passada me deparei com o Decreto 53.037 de 28 de maio de 2008, nele o Governador assume definitivamente seu carater autoritário e ataca mais uma vez o magistério paulista, por Decreto investiu contra a lei 444/85 o estatuto do magistégio e alterou:

1. O concurso de estadual passa a ser regionalizado

2. O Prof. em estagio Probatório não participa de remoção;

3. No âmbito de substituição art.22, cria uma serie de restrições que inviabilizam a própria substituição pois quando a professora ou professor:

a. tiver sofrido penalidade nos ultimos 5 anos

b. apresentar mais de 10 faltas de qualquer natureza

c. tirou licença de qualquer natureza, exceto gravidez

4. Quanto aos OFA's deixa de existir a classificação por tempo e passa-se a ter de fazer uma prova regionalizada onde o candidato concorre a vaga na UE e depois é classificado para concorrer a vagas na DE.


As evidências são mais do que atestadoras. Os sucessivos governos do tucanato paulista (Mário Covas, Geraldo Alckmin e agora José Serra) se mantêm fiéis ao claro propósito de sucateamento maciço das condições de trabalho e destruição dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e da educação pública do Estado de São Paulo.

É fundamental a clareza por parte de todos os trabalhadores e trabalhadoras da estrutura educacional paulista que não se trata de políticas isoladas ou instrumentais de uma dada gestão ou de algum secretário da pasta. É um conjunto de políticas que tem como sentido básico a uma total flexibilização de direitos e metodologias pedagógicas com o claro intuito de economizar verbas (ou seja, os desvios clandestinos da “mobilidade de recursos”) e fazer clara propaganda ficcional para eleição de qualquer maneira para o retorno de um tucano para o Palácio do Planalto em 2010 (ou seja, para usufruto político do próprio candidatíssimo governador Serra).


O sucateamento da educação nas gestões do tucanato paulista se alardeia em anos sucessivos de arrocho salarial, “superprecarização” das condições de trabalho e o fosso pedagógico seguida da desertificação da aprendizagem por parte da população discente. A cada novo secretario de Educação, nenhuma natureza que busque ao menos minimamente atuar nas raízes endêmicas da desertificação deste modelo educacional. Ao contrário, é na criminalização crescente dos professores com decretos e mais decretos que simplesmente roubam dos trabalhadores e trabalhadoras os mínimos direitos já conquistados.


Não há ilusão sobre a eficiência desta política necrófaga imposta pelo tucanato. Ela é eficiente no que se propõem a fazer. A ideologia dominante perante a sociedade recai na “culpa” do descalabro da educação pública como sendo “obra dos próprios professores”. O discurso é claro e contunde: somente é o profissional da educação o responsável por tudo. E o mais surpreendente neste tipo de discurso é a aceitação quase pacífica dos próprios “réus” de seus supostos “crimes”, ou seja, a categoria docente. Logo, a educação pública parece ser vista como um imenso buraco negro onde nada e, absolutamente, nada é possível ser construído para um novo modelo. A visão é do mais profundo e estéril ambiente de guerrilha entre professores contra professores ou direção dentro da unidade escolar. Quem não se lembra do baluarte midiático que meses atrás a gestão Serra criou culpabilizando professores de uma dada escola pública por recolherem minguados trocados dos alunos para cópias de material didático (infelizmente, uma pratica comum na desertificação das condições mínimas de trabalho docente)? E o que ficou de lição? Nada. De uma maneira quase invariável, a categoria docente aceitou tamanha estupidez governamental calmamente como um “fato isolado”. E das trevas oriunda dos sindicatos da categoria, o silêncio.


E quanto à mobilização sindical? Outro deserto. Estamos em épocas de danças das cadeiras na APEOESP e o objetivo principal é cada um dos ocupantes de cadeiras e candidatos aos mesmos postos feudais se digladiarem entre si ou em turma. “Chapa 1” contra “Chapa 2” ou “Chapa 3”, e vice-versa na dança das chapas. É plausível imaginar como numa “guerra das chapinhas” com farinha de trigo, o importante é deixar a “roupa nova” do outro todo sujo para não ir à festinha do final do dia (ou seja, não vencer as eleições). Qualquer semelhança com episódios de pastelões televisivos não é mera coincidência. A disputa política é pertinente na tal democracia aburguesada, porém é preciso nortear que(m) se serve(m) deste tipo de disputa. Certamente, não impacta nenhum interesse da categoria que assiste tudo alheia ao estéril “debate”.


Salvo raríssimas exceções, há tempos que as categorias sindicais se descolaram definitivamente de suas bases e criaram uma autonomia e dinâmica própria como “zumbis apátridas”, traduzindo para a o imaginário popular, verdadeiros “cabidões de emprego”. A desertificação da visão sindical contribuiu maciçamente para o descrédito e desmobilização dos professores como construção permanente contra os desmandos sucessivos da gestão do tucanato paulista. A cada nova greve reproduzida na insana e estúpida guerrilha de palanques entre diretores da própria entidade é mais uma possibilidade de mobilização da categoria escorrida pelo ralo. Quem já não se sentiu como um verdadeiro palhaço assistindo ao teatro dos intocáveis “oradores sindicais” do palaquismo do plantão? Na postura feudal de cerceamento das bases sindicais, a APEOESP vem se tornando um sindicato meramente de fachada. O sindicato se infla com recursos da contribuição sindical dos professores, sustendo um vistoso aparato patrimonial que incluí até mesmo um questionável programa televisivo em horário pago para justificar e propagandear os atos feudais de seus diretores. Tudo com recurso dos trabalhadores e trabalhadores que são espoliados a cada dia por decretos que proíbem até os mesmos de adoecerem! Um dos últimos decretos de Serra é o limite máximo de seis abonos por ano. E se caso ocorrência de ausência por doença? Dane-se o professor ou professora e ponto final. E o outro sindicato, o tal CPP? Tem como grande contribuição para a categoria o zelo sistemático com o mortuário de seus membros e o turismo de suas colônias. Num mundo onde o neoliberalismo avança destruindo e flexibilizando direitos trabalhistas, os sindicatos perderam completamente seu horizonte de ação e visão de mundo.


Se os rumos das ações política e sindical parecem incertos num mundo fomentado de falsos paradigmas e dilemas esquizofrênicos, o que fazer para alterar o curso deste córrego? Não há outra alternativa senão uma profunda reflexão de quais caminhos a categoria pretende priorizar: aceitar a superprecarização de seus empregos ou lutar veementemente contra as políticas de sucateamento da educação pública. A profissão docente não é sacerdócio. E não é possível aceitar este paradigma de famigerada dispersão na sociedade. A figura da angelical “tia” é nefasta na educação pública. A categoria precisa entender que não são objetos semi-divinos de “encantamento do saber” onde tudo toca transformamos o “iletrado” num “cidadão do bem”. Estas bobagens precisam ser afastadas do imaginário docente e entender que somos realmente uma categoria de trabalhadores como quaisquer outras. Sofremos com os mesmos dilemas e sucateamento das reformas administrativas que projetam a privatização das funções do Estado. A luta é pela transformação de um modelo inútil e precário por uma alternativa onde a educação seja um motor de transformação e a profissão docente seja o elo fundamental que permite que haja tal manifestação do conhecimento e visão de mundo. Se nenhum aluno é uma ilha do Pacífico deserto, por que cada professor prefere a desertificação como meio de auto-punição de sua desmobilização? É preciso mudar esse quadro de desertificação do horizonte educacional.


Cabe ainda uma questão pertinente: cadê o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que permanece silenciado durante anos de gestão do tucanato paulista? Além de receberem polpudos salários e estarem acima de todas as leis que regem os demais mortais, quando seus enormes glúteos saíram das bem acolchoadas cadeiras para desfraldar o mundo que se passa fora de suas belas janelas? Nenhuma investigação, nenhuma postura que visa buscar respostas para a superprecarização dos contratos de trabalho da gestão tucana, a diluição dos direitos conquistados e perseguição trabalhista dos servidores e o supersucateamento das escolas públicas. Quais as reais ligações que subsidiam o silêncio e a passividade do MP-SP? Para que(m) serve(m) do MP-SP?


À hora é de desertificação e abandono. O aniquilamento do estímulo docente acaba impingindo um movimento de aceitação passiva da diluição dos direitos trabalhistas conquistados. Com isto, a profissão docente se transforma tragicamente em mero aparelho burocrático de transformar papéis em branco em “diplomas” para alunos semi-alfabetizados. A escola cumpre seu papel de agenciador do modelo fordista educacional no aparelho ideológico social ao estilo de Althusser. No modelo de desertificação da educação, a escola pública é constituída em apenas um violento celeiro estéril que tão somente fomenta uma horda de trabalhadores para os serviços terceirizados e no oceano sucateado da economia informal (incluindo neste nicho os “trabalhadores do narcotráfico”).


A reflexão é tão necessária quanto às práxis da mudança. É preciso estar ciente do volume heterogêneo de profissionais que movem a categoria docente e que poderão contribuir decisivamente para a arquitetura de um novo modelo educacional. É preciso dar um basta nas condições deletérias que são empurradas goela abaixo dos trabalhadores e trabalhadoras da educação pública, em especial, os profissionais da escola pública. Aos sindicatos, em particular à APEOESP, está mais do que na hora de cessarem as lutas fratricidas e estéreis por cadeiras e egos de seus diretores, visando criar uma coalizão político-institucional verdadeira em defesa da categoria. Talvez seja preciso refundar à própria APEOESP como um instrumento simbólico para uma nova fase de lutas e sem o retalhamento entre facções que até agora deixaram o sindicato cada vez mais enfraquecido e estéril.


A cúpula do tucanato paulista sabe muito bem das fragilidades da categoria e aproveita essa realidade para exaurir paulatimente os direitos trabalhistas e impregnar o selvagem modelo neoliberal de terceirização da mão-de-obra da burocracia estatal. Enquanto passamos horas estéreis buscando os “culpados” dentro das salas dos professores, acusando-se uns aos outros e rezando na cartilha do modelo tucano de diluição das categorias trabalhistas, assistimos de forma absorta e monolítica a destruição patente da escola pública no maior estado (ou província como preferem alguns “hermanos”) da América Latina. Toda transformação social somente é possível com a unidade e a participação massiva de todos os trabalhadores e trabalhadoras.

A solidão da sala de aula será a lápide da própria profissão docente.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A “endogenização” da barbárie: a elite no safári social


Gilberto Dimenstein se situa no rol dos jornalistas que deslizam no corte limiar entre os desinformados do mundo e os cafajestes da notícia. Com o angelical título “A aventura dos jovens mestres”, disponível sua coluna da Folha Online, 28/04, Vossa Sapiência jornalística faz referência a um projeto de um dos bastões pedagógicos da fina elite paulistana, o Colégio Santa Cruz. Para “fazer a diferença na sociedade”, o colégio está levando sua seleta mini-burguesia para "ministrar" aulas para alunos das escolas públicas. Como diz Dimenstein, "é a experiência dos jovens mestres"! Quase poético!


Segundo o jornalista, nossos mestres “assim vão aprender a observar números para montarem sistemas de avaliação --daí que o nome do programa é ‘gestão comunitária´”. Subentende-se que o binômio “gestão comunitária” seja apenas uma metáfora vazia, assim como tantas outras despachadas regularmente na coluna do jornalista. Enquanto o modelo de escola pública se esfacelou num fosso de penúria, abandono e mediocridade, Dimenstein vem ao mundo com sorriso entre orelhas e profetizando as “futuras elites responsáveis”. Quanta generosidade estampada nos coraçõezinhos de nossos "jovens mestres", alunos do ensino médio do "renomado colégio"! Pela visão ufanista de Dimenstein, os professores das escolas públicas são tão imbecis que precisam dos iluminados aluninhos para fazer o seu trabalho, emanando "aulas de sabedoria" aos pretos, pobres, pardos e desvalidos.


É maravilhoso o zoológico humano da periferia paulistana! Um ótimo laboratório para os filhos da burguesia gestora da "locomotiva do país" conhecerem a "realidade" e ao mesmo tempo dar "gotas de sabedoria" para sua plebe imbecilizada. Aliás, não será novidade se a Secretaria de Educação de São Paulo e sua iluminada equipe de "teóricos do jornalzinho" convidasse nossos "jovens mestres" para dar lições aos “estúpidos” professores da rede de ensino como se dever lecionar para a plebe. Sem nenhuma dúvida, uma bela contribuição social onde a elite socializaria seus conhecimentos da forma mais prosaica e telúrica possível!Claro, como num safári em terras africanas, tudo registrado com todos os imperdíveis "closes" da lente de CARAS, a revista do nanomundo aburguesado. E por falar em CARAS, o mundo é uma festa! A plebe que incomoda.


Não seria estranho gritarem alguns defensores do pão-e-circo celebrando o sacro projeto. Numa época que os “reality shows” seduzem platéias alienadas e imbecializadas, a vida perverte a insanidade e a transforma num espetáculo patético e degradante. Besuntados da oleosidade de peroba, defenderão que a "elite" precisa conhecer o asqueroso barro da favela, a lágrima seca de uma criança desnutrida ou estudo “in loco” da economia real de uma família sobrevivendo com um salário mínimo por mês. "Nossa!", exala com ar de nojo alguma representante típica da nobreza paulistana e ainda esbraveja ao entrar no seu carro ultima geração importada se dirigindo ao heliporto: "Pobreza: Existe isto no Brasil?”. Em tempo: se sobrar alguns tostões de toda a vasta renda familiar de um salário mínimo ao mês, ninguém mais temerá tamanho recordes de dúvidas: a BOVESPA ajudará a família carente a “lucrar” na Bolsa de Valores. Chegamos enfim ao tão sonhado modelo tupiniquim de Primeiro Mundo! A elite brasileira não é apenas cruel como qualquer outra elite que vampiriza diversas sociedades, porém é possível perceber que a nossa genuinamente verde-amarela é nutrida de um sadismo incontrolável e espontâneo.


Dimenstein é um notório "profissional do jornalismo" e membro do Conselho Editorial da Folha. É claro que o projeto do Colégio Santa Cruz poderá servir de "exemplo" para os demais colégios da mesma magnitude. Nada reflete mais a condição do conflito de classes de forma tão desvelada quanto a "experiência" do Santa Cruz. Remetemos à Gilberto Freire e parimos no início século XXI as memórias pedagógicas da Casa Grande e suas lições de sabedoria para a irremediável Senzala. Tudo lindo e maravilhoso! Este belo quadro surrealista chamado Brasil, onde as relações de classes são desconstruídas e transformadas numa espécie de barroco hipermoderno.


Pode se tornar algo mais espantoso do cinismo destilado por Dimenstein é a naturalidade que os "jovens mestres" adentram na escola pública como se estivessem indo à algum zoológico humano ou uma espécie de Disneylandia da Heliópolis. Falando em zoológico, vale a pena comentar o macabro “safári turístico” por dentro de algumas favelas do Rio de Janeiro, patrocinada por algumas espertalhonas ONGs visando arrancar dinheiro de gringos em prol dos “moradores da comunidade”. Pateticamente, jovens moradores destes guetos aprendem inglês para se comunicarem com os turistas! A pobreza é vista como um espetáculo circense onde os participantes burgueses interagem com os objetos inanimados. Neste horizonte, Dimenstein perverte o sentido de classes, afinal de contas não existem classes sociais, apenas a elite e seus objetos lúdicos de diversão e recreação. Aliás, é da natureza canibalesca do capitalismo engolir culturas e expelir consumo. Soa paradoxalmente patético, por exemplo, vitrines de lojas de luxo vendo o estilo "periferia" para a jovem elite surfando nas ondas do capital.


Eis o "choque de realidade" balbuciado por Dimenstein. O Brasil tem uma estranha construção de trabalhar a pobreza. Aqui, não se elimina a pobreza, mas se endogeniza a barbárie. A "responsabilidade social" aqui é fazer pirotecnia diante das câmeras (e ainda descontar no Imposto de Renda), burlar a fiscalização estatal e aviltar-se da mais-valia de seus funcionários. A miséria que vira luxo e o luxo que lucra com a miséria. Nada mais simbólico do que nossa principal festa popular, o carnaval, no cenário surrealista do Sambódromo do Rio de Janeiro. Lá, asfalto e periferia, em três dias, podem alegremente trocar de papéis pulando alegremente sob a batuta de um reco-reco, tamborim ou pandeiro saltitante. A doméstica vira rainha e o patrão seu criado. E no compasso do abre-alas de Dimenstein, os "jovens mestres" ensinam sua escória publica (os mais destacados, quem sabe, futuros empregados e o restante entre a informalidade e a cadeia) a tabuada dos nove, a ler o guia completo do turismo da cidadela do Mickey e balbuciar alguns trocadinhos efêmeros na língua do Tio Sam. A educação para emacipação?


A “internalização” da barbárie tem efeitos mais nefastos do que a sua face externa. Daí que se nutre o caráter endógeno de um sistema de retro-alimentação, ou seja, a miséria que sobrevive do circo social e, por sua vez, o mesmo circo social perpetua a miséria. Com o caráter endógeno da barbárie, ou seja, realiza-se o processo de “endogenização” e, desta maneira, cria-se a impossibilidade de rupturas substanciais. O necrosado tecido social deixa suas marcas mais ressaltadas nas explosões endógenas de violência e agressividade banalizada. Contudo o aparato da aparelhagem policial contribui para sufocar qualquer tentativa de eclosão de rupturas ou transgressões ao “sistema democrático”. O “valor” do atávico cinismo resultante da democracia à brasileira se sustenta na opressão de uma parcela de abastados contra o restante de miséria e depauperação. A brutal concentração de renda do país não poderá ser entendida apenas como um descompasso da diluição de riquezas, mas um poderoso instrumento de dominação, controle e coerção social. Assim, o safári da elite pela miséria não apenas reforça o inconsciente entre opressores e oprimidos, mas que delimita a linha entre os que estão “dentro” e os que viverão na sua margem entre as sombras e migalhas. Logo, fazer a pilhagem da escória empurrando-a para os grotões e guetos e confiando-os lá para que não atrapalhem a “boa ordem social”[1].


Nesta esteira, o final do artigo de Dimenstein é simbólico a respeito dos "jovens mestres" com sua profecia de rodapé de livro de auto-ajuda: "(...) talvez, quem sabe, estejam ensinado a elite adulta a mudar o país mudando a educação, atuando dentro das escolas". Cabe avisar a Dimenstein que a tal "elite adulta", responsáveis pelos "jovens mestres", está há séculos no poder e que suas crias apenas continuaram a se perpetuar na manutenção do status quo vigente nas relações de classe. "Mudar" para continuar exatamente como está. Que bela lição de mestres!



Referência:

DIMENSTEIN, Gilberto. A aventura dos jovens mestres. Folha Online, São Paulo, 28 abril 2008. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/gilbertodimenstein/ult508u396533.shtml

Acessado em: 05 maio 2008.




[1] Para maiores detalhes, veja MENEZES, Wellington F. ; SILVA, Sérgio A. da . A guerra civil fluminense, a modernização excludente e a crise do Estado brasileiro: da canibalização à carnavalização da barbárie. In: VI Semana de Pós-Graduação em Sociologia, 2007, Araraquara. VI Semana de Pós-Graduação em Sociologia, 2007.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

A educação para a barbárie: a “não-escola” como modelo de replicação da banalização da violência, perpetuação da miséria e mediocridade social


“Até hoje, nenhuma investigação explorou o inferno em que se forjam as deformações que, mais tarde, vêm à luz do dia sob a forma de alegria alvoroçada, de fraqueza, de sociabilidade, de uma adaptação bem-sucedida ao inevitável e de um desembaraçado sentido prático.”
(Theodor Adorno)


Qual o significado da profissão docente no ensino básico? Hoje, é provável que nunca se tornou tão imperativa e angustiante tal questão quando se observa a desertificação do sistema de ensino brasileiro. Se por um lado o sistema público de ensino é um retumbante fracasso como modelo pedagógico, por outro lado o sistema privado é, salvo infinitésimas exceções, um amontoando de empresas cujo objetivo único e sua lucratividade e ponto final.

É perturbador para qualquer pessoa que acredita na importância da educação como elemento fundador de uma sociedade minimamente civilizável quando deparamos no caos e no descaso do Poder Público diante do apodrecimento sistemático do modelo de educação básica pública. Portanto, restam ao profissional de ensino duas alternativas necrosadas: aderir servilmente aos mais absurdos modelos de precarização de contratos trabalhistas das escolas privadas ou se contentar complacentemente na opressão diária do modelo fascista estatal.

A banalização da violência há tempos deixou de ser um mito atordoante para se tornar algo da intimidade do nosso cotidiano opressor, desigual e excludente. No que tange ao modelo estatal educacional, a opressão se tornou cada vez mais dramática se levar em consideração o nível de insegurança dentro das escolas. Escolas não, cadeias-mirins. Por conveniência, situamos tão somente o caso do estado de São Paulo, maior cidade da América Latina em potencial econômico. A escola pública é um modelo de “não-escola”, ou seja, tudo que deveria nunca ocorrer dentro de um sistema voltado para a construção psico-pedagógica de um ser humano desenrola com a mais complacente conveniência do Poder Público. A questão da violência dentro das unidades escolares se tornou banalizada a tal ponto que se tornou “anormais” escolas públicas que não registrem ocorrências de violência com maior gravidade.

Em busca dos “culpados”, aos que defendem que a violência escolar é apenas parte da “bagagem externa” que os alunos trazem para dentro da sala de aula. Todavia, a “externalidade da violência” não passa de mais um mecanismo paliativo que visa tão somente responsabilizar o elo mais fraco da enorme cadeia caótica do modelo público sobrecarregando todo o peso de um deletério modelo educacional nas figuras angelicais de professores e alunos. A escola não é um oásis beatificado, e para relembrar Theodor Adorno, porém não poderá ser mais uma replicadora da barbárie externa pelo simples fato que justamente sua condição social é de conter ou minimizar as novas gerações dos auspícios da insanidade humana. Para Adorno, regatando a dimensão psicanalítica de “pulsão de morte”, o impulso para a morte não se restringe apenas na dimensão subjetiva da existência humana e transborda os efeitos de sua ação para as estruturas sociais e econômicas.

A arquitetura das escolas públicas é visivelmente fadada para o modelo de internalizar mais violência. Verdadeiros cadeiões que confinam alunos, material pedagógico inexistente e estruturas físicas ineficientes, equivocadas e deterioradas. A péssima remuneração do quadro de funcionários apenas alicerça o modelo de descaso retumbante do Poder Público. A “não-escola” condiciona o suposto aprendizado em um replicador de desesperança, descrença no futuro e violência gratuita. Reduz cada vez mais um horizonte de perspectivas futuras para cada aluno e conduzindo de forma subliminar, em alguns casos, a ideologia de que o melhor dos caminhos seria a contravenção e a barbárie. Para os adeptos do “conteudismo escolar”, se amplia a cada ano o volume de alunos que saem das escolas públicas com seu “diploma” debaixo do braço e com gravíssimas deformidades ou ausência de conhecimentos mínimos. O modelo fascista de escola pública trabalha com as premissas de que é o locus do assalariado, desvalido ou remediado, predominando assim os filhos da “escória” da sociedade. Desta maneira, qualquer alternativa de desmontar um modelo falido é algo “descartável” e desnecessário, uma vez se resume a questão clássica em épocas não-eleitoreiras: quem se preocupa com a escória?

Na hipermodernidade recheada de carnífices consumidores cujas premissas básicas mais emblemáticas podem ser sintetizadas no binômio “consumir ou perecer”. Quando o modelo escolar privado é o fomento do criadouro de consumidor-mirins, o resultado não poderia ser outro senão a amplitude do hiperindividualismo e o esvaziamento do caráter social e humanitário. As bobagens senis da “competitividade” capitalista reduzindo o ser humano à uma máquina alienada e autofágica em disputas fratricidas. Na escola pública onde as carências de toda ordem são gritantes, o fomento da ideologia do consumo se traduz em condicionantes dispersores de mais violência.

Um dos fatores que mais ser torna perverso no modelo de hiperconsumo é o enorme volume de dinheiro despejado nas mais ordinárias campanhas publicitárias para aliciar crianças e jovens. Porém, o impacto social é avassalador com diferentes graus de absorção nos diferentes níveis socioeconômicos. Os abismos são gritantes e com efeitos assimetricamente multiplicadores. O filho de uma família da chamada “classe média” terá muito mais possibilidade de se tornar um efetivo consumidor, enquanto o de um filho de um desempregado que tão somente visita vitrines fomentado o desejo da propensão a consumir. Quando um adolescente ou mesmo uma criança decide adentrar para o tráfico de drogas não é somente sua condição depauperada que é conscientemente levando em consideração, mas o seu inconsciente potencial imediato de consumidor. Entre morrer pobre a longo prazo e morrer com bens materiais a curtíssimo prazo, as escolhas são bem claras para este jovem cuja miríade de alternativas se encontra na bala e no pó ou no miserável trabalho braçal. Obviamente, é muito simplificador e muitas vezes calhorda correlacionar diretamente pobreza e violência. Todavia, com relação às civilizações materialistas, é importante refletir as possibilidades do inverso, ou seja, a não-violência poderá ser derivada de um processo de não-pobreza.

A “não-escola” é o reduto do fomento da desertificação da cidadania. Ela parte do pressuposto que o aluno não é mais que um número de prontuário e sairá com um pedaço de papel pintado chamado “diploma”, por sua vez, mais outro número nas estatísticas de desempregados e subempregados. A “não-escola” é um estoque de gados humanos que muitas vezes sequer servem para o abate nos exíguos trabalhos com carteira assinada. Torna-se patético quando empregadores reclamam cinicamente de “profissionais não-capacitados”, quando na verdade seria a própria empresa que deveria formá-los de acordo com suas necessidades. Assim, levanta-se a questão sempre presente e se aprofunda em períodos de crise do capitalismo, quem se preocupa em qualificar o trabalhador? É mais uma vez, é mais fácil colocar a culpa na escola do que as motivações imediatistas dos lucros e, assim, terceirizar seus processos. Do ponto de vista de mão-de-obra e seu fabuloso exército de reserva capitalista, a escola se torna um estranho “ônus social” entre os limites do progresso e da estagnação econômica.

A escola não é pasto ou pelo menos não deveria ser... Todavia o modelo público de ensino público completamente inócuo na sua essência e aparência, delega para uma pessoa cerca de onze anos de sua vida uma mediocridade trágica. E segundo as declarações sistemáticas e medidas punitivas dos sucessivos secretários de educação do governo paulista, é muito mais sintético e midiático a responsabilização aderente e exclusiva na figura do professor. Naturalmente, o governo paulista utiliza-se de uma mídia sem caráter, responsabilidade ou compromisso ético para divulgar uma série de reportagens levianas, improcedentes e parciais a respeito da educação pública. Todo este engodo possui a medíocre tentativa de colocar a sociedade e toda a chamada “opinião pública”, pais e alunos contra os professores da rede foi até agora a medida mais inteligente aplicada pelo Governo do estado de São Paulo!

Portanto, nada de alterar as podres estruturas do falido modelo de ensino pública e sim, responsabilizar punitivamente o mais fraco de todos os elos da velha cadeia da produção em série de seres bestializados: os professores. Uma vez mais, a profissão docente é um elemento estúpido e inútil dentro de um modelo da “não-escola” onde o mais importante é a construção da barbárie social. Entre vândalos, semi-analfabetos e vagabundos todos são subprodutos do lixo educacional promovido pelo Poder Público. Agora há uma novidade brotada das cabeças iluminadas provenientes da Universidade de São Paulo: as poucas almas que passarem pelo corredor polonês da escola pública ganharam “bônus” no vestibular da Fuvest. Bravo! Outras universidades públicas “politicamente corretas” estão aderindo pela preferência do sistema de pastos e guetos sociais com a famigerada idéia de “cotas”. Para relembrar a metáfora de Karl Polanyi a respeito do moinho capitalista, como é impossível não perceber, o modelo usual de educação básica pública é um enorme moinho de triturar covardemente pessoas. Na replicação da barbárie, não restando outra saída para professor da “não-escola” e refém do aparelhamento inócuo do modelo, ser cúmplice involuntário deste engenho massificado de reprodução da mediocridade. Caminhamos a passos largos para destruir qualquer réstia de esperança na arquitetura de uma sociedade que desvela seu fascismo intestinal segregando o futuro de milhares de jovens para as fronteiras da barbárie.

Textos de Referência:

ADORNO, Theodor. Minima Moralia: reflexões a partir da vida danificada. São Paulo: Ática, 1993.

SORIA, Ana Carolina S. Mínima Moralia: o passado preservado no presente. Revista Mente, Cérebro e Filosofia, n. 7, São Paulo: Duetto, 2008.