Em decisão na assembléia nesta última sexta-feira, 27/06, no vão livre do MASP, foi aprovado pelos presentes a continuidade da greve dos professores do magistério público estadual. Em geral, excetuando o jornal da família Mesquita, “O Estado de São Paulo”, a mídia deu algum destaque à assembléia. O fato que me chamou atenção em particular foi uma matéria publicada no sábado, 28/06, na “Folha de S. Paulo” com título “Entidades se divide sobre paralisação”. A priori, imaginei que seria a contumaz oposição entre APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de S. Paulo) e o sindicalismo funerário do CPP (Centro do Professorado Paulista). Todavia, ao ler a reportagem, veio a surpresa: se tratava das “posições políticas” de duas ONGS (Organizações Não-Governamentais), e assim foi transcrito a tal “divisão”: “Campanha Nacional pelo Direito à Educação é favorável à paralisação; o TPE (Todos pela Educação), mantido por empresários, é contra”. Conclusão, duas obscuras ONGS falando em nome dos professores. Isto vem se tornado um cenário que preocupa cada vez mais quando a política é diluída e os atores políticos são entidades mascaradas com obscuridade de seus representantes em nome de questões sociais.
Tive a curiosidade via GOOGLE de buscar conhecer tais ilustres entidades. A tal “Campanha Nacional pelo Direito à Educação” tem um site sem conteúdo e sem menor nexo ou informações de seus representantes com a imagem prosaica e politicamente correta de risonhos adolescentes multi-coloridos. A outra entidade, “Todos pela Educação (TPE)” é mantida pelo grande empresariado encabeçado pela Gerdau e seguido pelos outras entidades tais como Grupo Suzano, Fundação Roberto Marinho, Bancos Bradesco, Itaú, ABN AMRO Real, Santander e liderado pelo “Instituto Ayrton Senna” da empresária e eterna figurante do supra-sumo tablóide fashion da burguesia tupiniquim Revista Caras, Viviane Senna. O site “corporativo” da TPE tem a curiosa “missão” de “contribuir para a efetivação do direito de todas as crianças e jovens à Educação Básica de qualidade, até 2022, bicentenário da independência do nosso país”. Quase angelical! Pergunta: e depois de 2022, vai fazer o quê com as crianças e adolescentes? Uma série de retóricas fanfarronas mergulhadas em indecifráveis clichês econométricos tentam dar um aspecto de “seriedade e responsabilidade” à tal organização. Na pauta, a “gestão” da educação. Como se o sistema educacional fosse simplesmente uma quitanda a ser “gerida” pela ótica empresarial, submissa a números, tabelas e estatísticas de logística, compra, venda.
Quase invariavelmente, as ligações entre ONGS e Poder Público são marcadas por uma obscuridade de contratos e ações. Dificilmente existe uma clareza com relação aos papéis desempenhados pelas entidades “sem fins lucrativos”, e muitas vezes, quando não existe um verdadeiro esquema de corrupção envolvendo tais filantrópicas e políticos locais. Quem são e o realmente desejam tais entidades? Nada é muito claro e de bondade o inferno sempre esteve com sua capacidade máxima de ocupação.
A partir dos anos 1990, houve um esvaziamento mais contundente da política e da esfera pública por conta da dispersão do neoliberalismo e suas nefastas doutrinas de “Estado Mínimo”. Neste ínterim, o Poder Público tendia a deixar de cumprir suas obrigações essenciais para a manutenção de sua capacidade de gerenciamento passando então a terceirizar seus processos decisórios. Neste vácuo, em todos os cenários sociais, surgiu uma miríade de ONGS que se propunham a cuidar desde a sexualidade do mico-leão-dourado até o repasse de merenda escolar. Gradativamente, abrir uma ONG foi muito mais lucrativo do que muitos negócios lícitos. O mais curioso e preocupante é o apoio e a infiltração que muitas ONGS se infiltraram nas organizações e partidos políticos de todos os lastros ideológicos. Os partidos que ainda se auto-denominam de “esquerda”, em particular o Partido dos Trabalhadores (PT), são loteados por uma série de ONGS gozando de obscuros contratos com os diversos governos pelo país. Não é raro que filiados de partidos políticos “estranhamente” estão à frente destas ONGS e desfrutando de contratos estatais e com poderes decisórios de políticas públicas.
É relevante lembrar que uma ONG nada mais é do uma mera empresa privada e ponto final. Não são movimentos sociais e tampouco são claro seus objetivos além de um belo e altruísta cartão de visitas. Possui seus empregados e obedece quase sempre uma lógica corporativa de mercado. É ainda endossada por benesses estatais que permitem tal empresa não ser onerada com impostos e além de obter incentivos financeiros ou tributaristas para aquisição de patrimônio.
A reunião destas ONGS vem paulatinamente ganhando mais espaço dentro da sociedade, um segmento pasteurizado denominado Terceiro Setor, ou seja, uma pretensa “terceira via” entre os setores público e privado. Justamente nesta “via terceirizada” que há maior densidade de neblina. Na pouca clareza e discernimento entre os conflitos entre o público e o privado se encontra o locus causal que adentram tais empresas do Terceiro Setor em busca uma espécie de “cimento” que interligaria as duas esferas de atuação dentro da sociedade. Todavia, estas relações terceirizadas são em muitos aspectos nocivas ao Poder Público e o real interesse coletivo da sociedade. Empresas montadas sem a menor condição estrutural ou preocupação com as questões sociais se anexam promiscuamente dentro das ações estatais e articulam políticas a seu bel-prazer representando obscuros interesses. Na Conferência Estadual da Educação
A privatização das funções do Poder Público põe em risco todo o aparato estatal na governabilidade real de suas atribuições. A suposta lógica do Estado Mínimo contribui para o esfacelamento da condução das ações estatais na medida em que permite os grupos muito bem articulados definirem as pautas sociais sem levar em consideração a realidade. É ainda importante ressaltar a atuação das ONGS internacionais, na prática, verdadeiras empresas transnacionais, e geridas por capitais obscuros (em particular, dinheiro provindo do erário de países dito de Primeiro Mundo e empresas interessadas economicamente numa dada região do planeta) e atuam diretamente dentro dos países em particular no Terceiro Mundo. As ONGS, em geral, quanto mais forte economicamente, maiores são os impactos de suas ações, decisões e lobby perante uma miríade de governos e coloração ideológica. Geralmente são montados “assessorias e convênios” destas ONGS para trabalharem diretamente com governos locais. Este aspecto foi muito claro onde pude constatar pessoalmente
O Terceiro Setor não é apenas uma nuvem passageira, mas um polpudo nicho econômico que deve permanecer por muito tempo intermediando as relações entre o público e o privado. É uma fantástica oportunidade de obter lucros com negócios sem lastro competitivo (ou seja, o “capitalismo sem riscos”) uma vez que atrelados ao aparelho estatal, sua função seria a permanente ação e aplicação de seus interesses privados para a esfera pública via jurisdição de bons “contratos filantrópicos”. Os programas vendidos por estas empresas são verdadeiros “pacotes fechados” onde o Estado compra seus serviços e são distribuídos pela população de acordo com as mais obscuras relações entre ONGS e agentes públicos.
Quando o discurso político é esvaziado, submisso aos interesses imediatistas do mercado e suas práticas são terceirizadas, definitivamente são desfeitos os laços que regem a diferenciação das duas esferas entre o público e o privado. O resultado dessa união promiscua de esferas opostas se explicita no espaço público ser gerido ao sabor de máfias “oficializadas” sempre bem organizadas, articuladas e lucrativas.