quinta-feira, 26 de junho de 2008

A Greve do Magistério Público Paulista


Enfim chegou a greve dos professores da rede pública paulista!... Antes tarde do que mais tarde ainda!... Fim das eleições sindicais! Depois que os diretores da APEOESP se aconchegaram em seus cargos na doce disputa pela direção da entidade e os mesmos seguem tranqüilos com seus vencimentos à custa dos salários dos professores, agora com benevolência decidiram pensar na sua base... Independente do jogo de cena de alguns atores "sindicais", o que importa de fato é a retomada de uma consciência de grande parte dos professores e professores das condições precárias e surreais de seu ofício. Uma classe tão heterogênea e nutrindo-se de tênue verniz que buscar fazer alguma amálgama com a chancela de "rede pública", as dificuldades para a organização e coordenação deste universo disforme de trabalhadores não é algo trivial, principalmente neste momento histórico particularmente tão turvo, opressor e alienado para a classe trabalhadora ou o que restou dela.


O tucanato paulista no governo do Estado sabe o quanto à categoria dos professores está desgastada e sem poder de reivindicação anos após anos de falência e descaso com educação pública. A consolidação da greve não é apenas um passo para marcar posição, mas acima de tudo, um movimento ascendente de retomada da auto-estima do ofício de professor. Nunca houve na história das conquistas sociais benesses gratuitas e até mesmo a implantação da política do (antigo?) Estado de Bem-Estar social em grande parte dos países europeus não foram construídas por meio de dádivas de algum oráculo religioso. Por mais que grupelhos conservadores, a mídia liberal e "pensadores" a serviço de um niilismo fascista neguem a importância do movimento dos trabalhadores, são os homens e mulheres que fazem do seu oficio diário à permanente batalha pela dignidade e sobrevivência num mundo cada vez mais hostil que alguns rotulam por "sociedade civilizada".


Ano passado, as universidades públicas estaduais paulistas entraram em greve e, em particular, a Universidade de São Paulo (USP). Um episódio que ficou conhecido na época, filmada pela lente de um celular anônimo e transmitida no noticiário televisivo da Rede Globo, foi à patética cena do Prof. Elcio Abdalla empurrando alunos e carteiras a fim de entrar na sala de aula no Instituto de Física da USP (IFUSP). Simplesmente, teatral! Nesta ocasião a mídia conservadora fez a festa, como de praxe, criticando as greves e os “arruaceiros”. Tive o desprazer de ler o blog do santo-do-pau-oco tucano, Reinaldo Azevedo, um dos editores e colunista da fascistóide revista Veja. Azevedo assim como a grande maioria dos admiradores da exclusão social como causa "natural" do darwinismo social ao estilo de Herbert Spencer, condecora Abdalla como "nosso herói" e apoiado por uma série de supostos visitantes “nacionalistas” de seu blog. Como ex-aluno do IFUSP, conheci o prof. Abdalla na sala de aula e também suas posições políticas de arrogância, prepotência e intolerância. Também como é praxe, enquanto muitos alunos e professores faziam greve, o grupinho do professores do Departamento de Física Matemática aliados de Abdalla ministrava aulas normalmente como se nada tivesse acontecendo no planeta USP. Isto remete a muitos professores "Abdallas" espalhados pelo magistério público, vestem a carapuça de Pilatos como se os problemas viscerais da escola pública fosse coisa de “gente vagabunda” de Júpiter ou Saturno. É possível alegar que também existe o direito de “não fazer greve”, ótimo! Mas se tratando de algum norteador de “justiça”, enquanto um ou outro se passa por “bom moço”, o restante “grevista” são seres estúpidos? Discurso conflituoso! Uma das lógicas da dissolução dos movimentos sociais é criar o antagonismo dentre os próprios elementos de classe e com isto desencadear a própria extinção do movimento.


Com o sucateamento do magistério, dar aulas virou um "bico", uma complementação de renda ou cadeira de espera para "alguma coisa melhor no futuro". Sem a consolidação de uma carreira com remuneração compatível que privilegie a fixação do professor ao seu oficio, dificilmente mudará esse quadro de desertificação e diluição da profissão. Entre outras perversidades, o que existe de fato é a acentuação de um ciclo nefasto composto de faculdades privadas picaretas (geralmente irrigadas com financiamento público) com chancela do MEC produzindo professores com formação cada vez mais deficiente adicionando as condições precárias de trabalho e remuneração irrisória cujo ápice é a formação de exércitos de alunos com analfabetismo funcional. Uma ínfima parcela destes alunos que sobreviveram ao sistema educacional complementará o ciclo ao adentrarem nestas mesmas faculdades e posteriormente ingressará no sistema educacional público. E assim, novamente o ciclo é refeito. A situação se torna anacrônica: de um lado, o governo permite o precário funcionamento de muitos galpões que se intitulam "faculdades" e não privilegia a ampliação de vagas nas universidades públicas; por outro lado, o governo diz que quer punir os supostos "maus professores". Midiático, mágico e simplificador. Com a corrida presidencial à vista, o negócio é fazer marketing político! Todavia, não adiantará soluções paliativas e panfletárias via decretos governamentais cujo único interesse imediatista é colocar os professores contra a opinião pública como sendo os "vilões" deste inútil e apodrecido sistema público de educação. O tucanato paulista há mais de uma década vem paulatinamente destruído toda e qualquer possibilidade de saída do sistema educacional do atoleiro que se encontra às trevas.


A verdadeira revolução que desencadeará um novo paradigma de sociedade ainda a ser feita passará necessariamente pelas profundas transformações que levem a um novo modelo de educação reestruturada a partir de uma nova identidade que não seja a mera reprodução estéril, mercadológica e imbecializada do modelo fordista de impressão de diplomas.


O sistema capitalista é digno de David Copperfield, consegue transformar brutais disparidades econômicas em banais questões "naturais". Tudo é visto como conseqüência natural e, claro, se limita na mera esfera do sucesso ou fracasso particular dos indivíduos uma vez que as oportunidades são "livres" a todos. Os trabalhadores e trabalhadoras não podem se postularem como meras peças repositoras e descartáveis dentro de um processo replicante de produção auto-contínua, seja ela material ou não. Uma greve não é apenas uma necessidade, mas deverá ser sempre um instrumento libertário contra a opressão e a subserviência política e socioeconômica.

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