segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A culpa não é do professor!


Não causa mais estranheza quando jornais como a Folha de S. Paulo e a seu compatriota matutino, o Estado de S. Paulo escancara em suas páginas as "verdades absolutas e inequívocas" em nome da liberdade de expressão. Não criamos ilusões: a democracia liberal não significa democracia econômica. Neste domingo (11/11), em suspeita sintonia com o discurso da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, trouxe a manchete em letras graúdas e cheias de tintas dando o destaque: "Em SP, 13% dos professores estaduais faltam a cada dia". Provavelmente, o leitor da Folha imediatamente já poderia situar o mesmo adjetivo que o ex-presidente Fernando Henrique designou os aposentados brasileiros tempos atrás: "vagabundos"!

A reportagem da Folha compara a assiduidade dos professores de dois colégios da elite paulistana, o Colégio Bandeirante e o Colégio Etapa, concluindo que estas escolas possuem, em média, menos de 1% no número de ocorrências de faltas enquanto que o quadro estadual é representado por 12,8% de ausências diárias. O que pretende a Folha com reportagens desta estirpe? O número de profissionais da rede pública é cerca de 230 mil (usando os próprios números da reportagem) e quanto aos profissionais dos colégios citados? Cerca de cem professores, conforme a mesma reportagem! Destacam-se, no mínimo, duas hipóteses: trata-se de um equívoco involuntário que pode levar o leitor ao erro ou seria um ato de má-fé com tamanha comparação desproporcional? Seja qual for hipótese a verdadeira, desta maneira, a Folha não cumpre a suposta "boas maneiras" que guarda no seu livreto de redação para fazer jornalismo. Vale lembrar que comparações assimétricas resultam na desinformação que beiram a má-fé.

A matéria da Folha ainda traz um brutal ataque aos direitos trabalhistas dos professores. Pelo teor da reportagem, só faltou pedir cadeia aos supostos "professores faltosos"! Atacou ao longo de sua reportagem os direitos trabalhistas como se fosse a única e plausível responsável pelo fracassado modelo de gestão da educação paulista. A reportagem em momento algum sequer procurou refletir os motivos reais dos erros acumulados que há décadas vem exaurindo todo o sistema educacional. Aliás, apenas reforça o simplista e demagógico discurso que a gestão tucana vem fazendo ao longo dos anos em São Paulo: responsabilizar exclusivamente os professores por todos os males da ineficiência da política educacional. Mais uma vez, em nome de uma ilusória “eficiência pela precarização do trabalho” vem subentendido o falacioso discurso da flexibilização dos direitos trabalhistas sempre em pauta implicitamente na agenda neoliberal.

No mês passado, a reportagem da Folha Online (16/10) publicou as declarações da atual secretária de Educação do Estado, Maria Helena Guimarães de Castro, que afirmava: "O quadro mostra, com clareza, que não há uma relação direta entre salário e qualidade do ensino, embora a questão salarial seja fundamental para valorização dos professores". Trocando em miúdos, a titular da pasta de educação da gestão tucana não considera importante a questão salarial dos professores. Minimiza os fatos e busca empregar uma retórica que descola a questão salarial de toda a falência do sistema. Novamente, o ataque aos professores é a forma mais sintética e covarde de tirar a responsabilidade dos gestores de educação lotados na secretaria e das políticas estéreis de gabinete.

Existe uma política muito clara praticada pelos tucanos diante dos desafios da educação: o uso excessivo de falaciosos cosméticos pedagógicos. Uma política equivocada preocupada em perfumar a burocracia escolar, piorar as condições de trabalho e sobrevivência dos professores e iludir a sociedade com falsas promessas. Desde a obscura política dos bônus às práticas da "aprovação automática" o resultado é o retumbante abismo que se encontra a educação paulista, ou seja, um retrato catastrófico para o estado dono da primeira economia do país.

Urge um longo basta nas provocações demagógicas que ano após ano vem se multiplicando na área da educação. Mentiras que se repetem a exaustão nas propagandas oficiais e obtendo ressonância na mídia. Na televisão, belas crianças sorrindo por um ensino que não existe! O professor é acima de tudo um profissional que tem as mesmas carências humanas como qualquer outro profissional de área diversa. Sem mistificações e hipocrisias! Salários defasados no quadro do funcionalismo e seus profissionais precisam ter múltiplas aulas para completar sua renda gerando toda uma miríade de sortilégios provenientes de problemas físicos e psicológicos. Acima de tudo, um professor não é uma máquina amorfa de “dar aulas”! Sem nenhum plano real de carreira dificilmente um profissional se contenta em seu ambiente de trabalho. Não é possível aceitar as querelas sádicas de um discurso cínico de que o magistério "não é profissão", mas tão somente um bando de "tias" que pregam o "sacerdócio" e o “celibato franciscano”. Escolas sucateadas, insuficiência quanto ao número de funcionários dos quadros de apoio, inseguras e longe de ser um ambiente que possa ser considerado minimamente "pedagógico". Quando não são tomadas pelo submundo das quadrilhas de entorpecentes, gerando insegurança e pânico entre professores e alunos (este quadro se agrava nas regiões mais periféricas). Currículos burocráticos, ultrapassado atrelado a uma rigidez inexplicável diante da tal "era da informação". Não basta colocar um computador e dizer que a escola esta “informatizada”, é preciso fazer da escola um ambiente de aprendizado e não apenas palco de opressão e inutilidade.


É fundamental a reflexão dos motivos do "empacamento" das políticas estatais para a educação. Com a dispersão e multiplicação do número de vagas (alguns otimistas especialistas chamam tal enredo de "democratização do acesso") a qualidade se tornou prerrogativa secundária e obsoleta. A premissa é verdadeira: quem usa a escola pública é quase invariavelmente pobre e preto! Portanto, exceto em períodos eleitoreiros, quem se importa com os pobres e pretos? Pobres e pretos são os filhos do operariado, ambulante, empregado doméstico... Tais alunos serão no máximo meras reproduções da mão-de-obra de seus pais na pirâmide das forças produtivas capitalistas.

A arquitetura pedagógica que nutre a escola pública é de extrema pobreza de horizontes. Não educamos, reproduzimos. Não avançamos, retrocedemos para níveis monossilábicos. Não conduzimos progresso, atolamos em mesmices inúteis. Não existe o estímulo para a cidadania, apenas para a reprodução da miséria humana. Não existe uma verdadeira preocupação com o futuro dessas crianças e adolescentes que abarrotam salas superlotadas em escolas de ficção. Salvo algumas unidades escolares que beiram ao heroísmo de seus profissionais, o resultando é o mais lamentável estado de calamidade pública. Agora, culpar o professor por toda uma construção falida é, no mínimo, criminoso. O professor é tão somente mais uma vítima de todo um processo de fracasso do sistema educacional.

Quem se importa com a educação da plebe? A classe média acuada em sua alienação e egocentrismo fugindo do sistema público deposita seus filhos em escolas particulares. Tais escolas que associam automaticamente "mensalidade" à "qualidade" apenas mitificam seus questionáveis níveis de excelência . E, por sua vez, resta ao filho da periferia se contentar com o anêmico sistema público de educação. No Brasil, a estratificação social começa pela educação.

A mídia impressa tão ávida em vender notícias deveria se ater com mais prudência e responsabilidade seu papel imprescindível dentro de um suposto Estado democrático. A educação não é para principiantes e não é possível permitir que a ineficiência do Poder Público condene à ignorância milhares de jovens que saem das escolas públicas sem o mínimo de uma "educação formal".

Assistimos ao espetáculo midiático das notáveis descobertas de petróleo em águas superprofundas pela Petrobras e, por sua vez, a elevação exponencial das carteiras dos acionistas da estatal. Será que agora o governo vai refundar o programa do "Petróleo é nosso"? Nada mais suicida para um Estado sem visão de futuro é a queima de as próprias reservas de energia em nome da lucratividade de seus acionistas. Igualmente suicida é o pacto silencioso que o governo faz pela mediocridade da educação. Se o petróleo já foi e parece que hoje se toma forma como um ululante "projeto nacional", seria urgente a educação ser ponto central de um pacto social pelo maior e mais importante projeto que uma nação precisa para superar suas gravíssimas distorções. Analogamente, o petróleo está para o progresso material assim bem como a educação está atrelada atavicamente para a perpetuação da espécie humana.

É preciso tomar cuidado com os culpados imediatos condenados sumariamente pela mídia. Se existe alguma culpa pertinente ao professor possivelmente estará sentada na sua cumplicidade autofágica de assistir inerte ao processo de esfacelamento de sua própria profissão. O desgaste e o cansaço de lutas frustradas pela classe dos professores não poderá ser substituída pela alienação e acomodação. Enquanto a sociedade também não participar no engajamento por um novo modelo e dinâmica educacional apenas consumirá velhas notícias e suas mentiras sinceras no café da manhã.

Fonte:

FOLHA DE SÃO PAULO. Salário não melhora ensino, diz secretária de educação de SP. São Paulo, 16/10. Disponível em: Acesso em 12 de novembro de 2007.

FOLHA DE SÃO PAULO. 30 mil professores faltam por dia na rede pública de SP. São Paulo, 11/11. Disponível em Acesso em 12 de novembro de 2007.

2 comentários:

Unknown disse...

Agradeço a preocupacao por uma midia imparcial e com uma indole no minimo respeitavel, mas no Brasil tudo é guiado pelo dinheiro, nao há como esperar ética de nenhum lado...

Parabens pela materia, Wellington


De Brasilia, Daniel Cianni

Kim & Ângela disse...

Boa tarde, sou arte educadora e gostaria de saber, de quem é essa imagem da cadeira escola?

Obrigada!