segunda-feira, 14 de julho de 2008

Professores, “vagabundos”; Ensino Público, curral demagógico: a imbecialização da educação básica rumo à barbárie


A questão fatídica para a espécie humana parece-me ser saber se, e até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano de agressão e autodestruição.

(Sigmund Freud, “O mal-estar na civilização”)

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Existe política educacional para o ensino básico no Brasil? Se forem observadas as práticas da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), a resposta é um histriônico “não”! Aliás, é pertinente refletir qual é o atual modelo educacional praticado pela gestão tucana de José Serra, a inércia do Poder Público e a busca da compreensão de qual sociedade realmente se desejam construir a população brasileira.


Pelas cabeças “pensantes” da SEE-SP, a grande moléstia comedida pelo sistema educacional público é a figura do professor. Logo, as premissas de botequim da SSE-SP se constituem com a profundidade de um pires: em síntese, a escola pública é ruim porque o professor falta muito, logo punindo o professor é que se chegará ao Paraíso prometido pelas Sagradas Escrituras do PSDB paulista. Em ressonância com estes atabalhoados preceitos, uma série de decretos vem sendo impostos sistematicamente com o patético propósito de perseguir os professores numa operação de “caça as bruxas”. Um destes decretos é o proíbe os professores apresentarem atestados médicos para justificar possíveis ausências no trabalho. Portanto, os professores ficam estabelecidos pelo decreto mágico do governador Serra a proibição de ficarem doentes! Em nota divulgada no site da SEE-SP, a secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, uma “visionária” da gestão escolar comemora efusivamente os efeitos da mágica tucana após o draconiano decreto: “Notamos uma mudança importante. E isso reflete diretamente na aprendizagem dos alunos, nosso objetivo. É essencial que o professor acompanhe o dia-a-dia dos alunos, que haja continuidade de ensino”. E a ilustre secretária ainda completa com outra pérola mágica da sua atual gestão: “Era uma minoria de professores, mas que prejudicava sobremaneira o trabalho dos outros 87%, que dia-a-dia batalhavam pela aprendizagem dos estudantes”. Claro, claro!... Como sempre a culpa é do “vagabundo” professor (em alusão ao termo proferido pelo “príncipe” tucano da Sociologia brasileira na época que ocupava o Palácio do Planalto para designar a classe dos trabalhadores aposentados no país).


É inacreditável que tais práticas de “gestores públicos” e pérolas são proferidas pelos homens e mulheres que estão à frente da maior rede pública de educação do país. Um extremo amadorismo aliado ao cinismo eleitoreiro que em nada contribui para construir algum sistema educacional realmente digno para os habitantes mais carentes e que necessitam do apoio do Poder Público. Mais incrível ainda é o inércia dos próprios trabalhadores da educação e seus sindicatos. A classe docente da educação básica vive um autismo estrutural sem precedentes em sua história. Uma verdadeira situação de calamidade pública com três atores bem definido: a inércia aliada da incompetência do Poder Público, o autismo dos profissionais da educação e a extrema fragilidade do corpo estudantil. Em suma, um modelo educacional de terra arrasada, perdulária e inútil.


Mais pernicioso que a omissão do Poder Pública é a mentira escachada em nome da mediocridade política em busca de votos em pleitos futuros. Outra mágica da SEE-SP deve ser alertada para a sociedade paulista: à inflação dos números de vagas para o ensino técnico. Segundo a Agência Estado, o governo Serra abrirá 50 mil vagas em cursos técnicos e aliando aos 30 mil vagas existentes, somarão 80 mil vagas. Como explicar esta outra mágica tucana? Simples: o governo criará as 50 mil vagas em 696 escolas estaduais da capital paulista e da Grande São Paulo para um estapafúrdio “curso de gestão de pequenos negócios”. Salienta a notícia da Agência Estado: “o curso será ministrado uma vez por dia e tem duração de três semestres, certificado por diploma do Centro Paula Souza e da Fundação Roberto Marinho. As aulas serão freqüentadas por estudantes do 2º ano do ensino médio e estarão inseridas na própria grade curricular dos períodos noturno ou diurno”. De olho nas urnas, o governo torrará dinheiro público em cursos completamente inúteis, imbecializados e que nada contribuirá para o aprendizado do aluno. Aliás, é a praga senil do “empreendedorismo” bestializado que o governo propõe enxertar nas escolas públicas. Talvez com o desemprego estrutural e a economia informal engolindo cada vez mais trabalhadores, o aluno semi-alfabetizado sairá da escola pública com um diploma de “empreendedor” de seu virtual “pequeno negócio” em algum camelôdromo espalhado pelas ruas das grandes cidades paulistas. Interessante notar a participação de uma entidade privada, a Fundação Roberto Marinho ligada à oligarquia midiática da Rede Globo, no tal “projeto” do curso técnico. Uma questão pertinente: já que a idéia é brotar “cursos técnicos”, será que nenhuma das três grandes universidades públicas estaduais (USP, UNESP e UNICAMP) teria capacidade de desenvolver algum projeto com mínimos neurônios adicionais do que esse estéril “curso de gestão de pequenos negócios” que será excretado para os alunos da rede pública? Mais uma vez, é visto novo desperdício trágico do custo de oportunidade: alunos com imbecilizada formação e mais dinheiro do erário é despejado no ralo. Triste rotina.


A atuação dos sindicatos voltados para o sistema educacional do Estado de São Paulo é constituída de uma mediocridade autista espantosa além de ser constituírem pouco além de cabides de emprego para seus integrantes. Um fato pertinente é conivente atuação da APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) perante os episódios que paulatinamente vem ocorrendo no Estado. Mesmo decreto após decreto, só depois as eleições sindicais que a nova direção (que já nasceu velha em sua metamorfose do “mais do mesmo”) e seus diretores assentaram seus pomposos glúteos em suas cadeiras resolveram “fazer uma greve”. Será mera coincidência? Mobilizaram uma parcela ainda não totalmente fossilizada dos professores para um período de pouco além de uma quinzena de dias. Utilizaram o vão livre do MASP para as habituais e “históricas” reivindicações, entre elas a revogação do “democrático” decreto 53.037, de 28 de maio, que tem dois pontos principais: o primeiro deles limita a possibilidade de transferências de docentes. O segundo impõe uma prova para classificar a ordem dos professores temporários na escolha de classes, até então estabelecida por experiência. Na prática, o decreto proíbe o professor efetivo à permuta de posto de trabalho caso exceda um limite mágico imposto pela SEE-SP de 12 faltas no ano letivo e o outro as misteriosas provas de “admissão” para os professores não-efetivos. Subitamente, na assembléia do dia 06 de julho na Praça da República, a greve é suspensa com a alegação da própria presidente da APEOESP, que o “movimento era vitorioso porque o governo ‘prometeu’ que iria pagar os dias parados”. Retóricas e mais retóricas rocambolescas dos oradores de palanque, após feitas as habituais votações mágicas de quando deseja empurrar uma proposta goela adentro da base, a suspensão da greve foi automaticamente “aprovada”. Parece incrível que o foi votado: tão somente uma promessa de pagamento dos dias parados pelo governo Serra! As reivindicações básicas as quais formaram preliminarmente os pilares desta última greve foram esquecidas em nome de uma lacônica “futura negociação por parte do governo”.


O autismo reinante no movimento dos professores é uma outra explicação sobre a suspensão da greve. Aliás, utilizando da mesma fornalha onde se reproduzem as pérolas preferidas pela secretaria da SEE-SP, o que mais se ouviu na última assembléia entre professores e sindicalistas: o “recuo estratégico” devido ao recesso escolar! Provavelmente os professores paulistas fundaram o primeiro movimento grevista flexível da história: pára nas férias na promessa virtual de continuar o movimento depois que todos voltarem de Cancún, Bariloche ou talvez da Disneylândia! O que não está clara é a participação alienada de um sindicato que cria e destrói um movimento grevista ao bel-prazer. Fica no ar se realmente existe alguma isenção da cúpula da APEOESP com o governo tucano? Neste teatro, do mundo-do-faz-de-conta os professores se tornam cúmplices (in)voluntários de um modelo cuja única conseqüência é a barbárie onde são expostos os alunos e o próprio ofício de professor.

A retórica é o carro-chefe da gestão tucana que elegeu a educação como uma das plataformas demagógicas do futuro salto eleitoreiro do seu governador. Todos os sortilégios de um saco de maldades são acometidos em nome da educação pública e nada é efetivamente feito para cessar seus terríveis efeitos. Para o tucanato que vem se alojando sucessivamente no Poder Público no estado paulista, a educação é apenas uma retórica onde se vive de mera aparência cosmética e resultados pífios. Por exemplo, para quem visita a página da SEE-SP (www.educacacao.sp.gov.br) parece que o Estado de São Paulo está se gabando de um padrão de excelência européia ou de algum Tigre Asiático. E tudo isto na mais docilidade partilha conivente da esmagadora maioria dos próprios profissionais da educação e de seus sindicatos de papel.

Num realista artigo publicado na Folha de S. Paulo neste domingo, 13/06, o professor da Universidade de San Diego (EUA), Kenneth Serbin, destaca a perda de rumo e decência da sociedade estadunidense, o qual a população daquele país está “desprovida de valores” e se “perdeu o respeito pelo outro e se tornou insensível aos problemas dos demais países do globo”. O debate é pertinente quando se discute o declínio do império estadunidense. Todavia, ao fazer um paralelo com a sociedade brasileira, as questões atiradas ao ventilador por Serbin são pertinentes para nossa cultura atávica pelos sabores da mediocridade e parasitismo das práticas do Poder Público.


A indiferença é a retórica que marca os cidadãos das angustiadas cidades de um capitalismo sem precedentes. Quem se importa com a educação pública da plebe se a elite dirigente coloca seus filhos em escolas privadas cercadas de “notório saber”? Para o aluno pobre basta qualquer modelo educacional, qualquer condição de aprendizado, qualquer estrutura física, qualquer coisa que leve nada a lugar algum. Um modelo completamente autofágico e aliado a um cinismo que permeia a sociedade que utiliza o darwinismo social como parâmetro de sua arquitetura. Vale ressaltar que em praticamente em toda a mídia que noticiou a greve dos professores estava estritamente ligada ao congestionamento das vias públicas. Dentro seu carro financiado em centenas de prestações, é como se cada motorista “outsider” da paulistana cidade desejasse com toda sua cínica indiferença ao abaixar o vidro com insulfilme berrar aos quatro ventos: “Tirem estes vagabundos no meio da minha rua!”. Estadunidenses, brasileiros... Sobretudo, “cidadãos” insensíveis e indiferentes!

Professores, vagabundos. Ensino público, curral demagógico. É assim que são construídos os pilares das políticas educacionais paulistas e pelo país afora. A demagogia reinante nas campanhas políticas e os projetos desnorteados que nada produzem ou agregam alguma coisa útil para o verdadeiro sistema educacional. O resultado é tragicamente avassalador: milhares de jovens com educação dada vez mais precária, um modelo educacional esquizofrênico e fossilizado.


Sem uma carreira atrativa, salários irrisórios, condições precárias e violentas de trabalho, sem nenhum estímulo profissional, a docência no ensino público virou apenas um mero “bico”, com profissionais cada vez menos qualificados e sem possibilidade para se qualificarem com alguma seriedade. O Poder Público insiste com políticas completamente estúpidas, equivocadas e estéreis dando largos passos para a barbárie que se acumula ano após ano de sucateamento e abandono.


Qual sociedade futura que a sociedade presente deseja oferecer como herança? No que tange a educação pública básica os resultados das belas estatísticas e cálculos econométricos não condizem com grande parte da realidade. O fosso entre o que é divulgado e o que é vivido na prática se torna cada vez mais ampliado. As soluções mágicas e os “projetos educacionais” que se parecem com angelicais presépios natalinos apenas retiram mais terra desse profundo fosso. Além do peso da inércia devastadora do Poder Público, é no autismo da classe docente uma das maiores praga que assola o caderno de páginas em branco que se vem constituindo a imbecialização improdutiva da educação básica pública rumando a passos largos para a barbárie.



Referências:

Agência Estado. “Escolas de SP terão 50 mil vagas para curso técnico”. São Paulo, 09.07.2008. Disponível em: http://noticias.br.msn.com/artigo.aspx?cp-documentid=8513416

Acesso em 12 de julho de 2008


AGORA. “Governo pagará dias parados só após reposição de aulas em SP. São Paulo, 08.07.2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u420198.shtml

Acesso em 12 de julhos de 2008


Folha de S. Paulo. “Contra desconto em salário, docente ameaça retomar greve em SP”. São Paulo, 09.07.2008.

Disponível em: http://noticias.br.msn.com/artigo.aspx?cp-documentid=8513416

Acesso em 10 de julho 2008.


SERBIN, Kenneth. “Um povo sem decência”. Folha de S. Paulo. Caderno Mais!, p. 5. São Paulo, 13 de julho de 2008.

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