segunda-feira, 2 de junho de 2008

O jeito do tucanato paulista de destruir a educação pública


Começo pedindo permissão de antemão ao companheiro, colega de IFUSP e do magistério de Osasco/SP, Washington Bastos, para a reprodução de sua mensagem enviada por e-mail neste domingo, 01 de junho. Abaixo, suas palavras:

(...)

Ao ir a sub-sede apeoesp de Osasco nesta sexta passada me deparei com o Decreto 53.037 de 28 de maio de 2008, nele o Governador assume definitivamente seu carater autoritário e ataca mais uma vez o magistério paulista, por Decreto investiu contra a lei 444/85 o estatuto do magistégio e alterou:

1. O concurso de estadual passa a ser regionalizado

2. O Prof. em estagio Probatório não participa de remoção;

3. No âmbito de substituição art.22, cria uma serie de restrições que inviabilizam a própria substituição pois quando a professora ou professor:

a. tiver sofrido penalidade nos ultimos 5 anos

b. apresentar mais de 10 faltas de qualquer natureza

c. tirou licença de qualquer natureza, exceto gravidez

4. Quanto aos OFA's deixa de existir a classificação por tempo e passa-se a ter de fazer uma prova regionalizada onde o candidato concorre a vaga na UE e depois é classificado para concorrer a vagas na DE.


As evidências são mais do que atestadoras. Os sucessivos governos do tucanato paulista (Mário Covas, Geraldo Alckmin e agora José Serra) se mantêm fiéis ao claro propósito de sucateamento maciço das condições de trabalho e destruição dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e da educação pública do Estado de São Paulo.

É fundamental a clareza por parte de todos os trabalhadores e trabalhadoras da estrutura educacional paulista que não se trata de políticas isoladas ou instrumentais de uma dada gestão ou de algum secretário da pasta. É um conjunto de políticas que tem como sentido básico a uma total flexibilização de direitos e metodologias pedagógicas com o claro intuito de economizar verbas (ou seja, os desvios clandestinos da “mobilidade de recursos”) e fazer clara propaganda ficcional para eleição de qualquer maneira para o retorno de um tucano para o Palácio do Planalto em 2010 (ou seja, para usufruto político do próprio candidatíssimo governador Serra).


O sucateamento da educação nas gestões do tucanato paulista se alardeia em anos sucessivos de arrocho salarial, “superprecarização” das condições de trabalho e o fosso pedagógico seguida da desertificação da aprendizagem por parte da população discente. A cada novo secretario de Educação, nenhuma natureza que busque ao menos minimamente atuar nas raízes endêmicas da desertificação deste modelo educacional. Ao contrário, é na criminalização crescente dos professores com decretos e mais decretos que simplesmente roubam dos trabalhadores e trabalhadoras os mínimos direitos já conquistados.


Não há ilusão sobre a eficiência desta política necrófaga imposta pelo tucanato. Ela é eficiente no que se propõem a fazer. A ideologia dominante perante a sociedade recai na “culpa” do descalabro da educação pública como sendo “obra dos próprios professores”. O discurso é claro e contunde: somente é o profissional da educação o responsável por tudo. E o mais surpreendente neste tipo de discurso é a aceitação quase pacífica dos próprios “réus” de seus supostos “crimes”, ou seja, a categoria docente. Logo, a educação pública parece ser vista como um imenso buraco negro onde nada e, absolutamente, nada é possível ser construído para um novo modelo. A visão é do mais profundo e estéril ambiente de guerrilha entre professores contra professores ou direção dentro da unidade escolar. Quem não se lembra do baluarte midiático que meses atrás a gestão Serra criou culpabilizando professores de uma dada escola pública por recolherem minguados trocados dos alunos para cópias de material didático (infelizmente, uma pratica comum na desertificação das condições mínimas de trabalho docente)? E o que ficou de lição? Nada. De uma maneira quase invariável, a categoria docente aceitou tamanha estupidez governamental calmamente como um “fato isolado”. E das trevas oriunda dos sindicatos da categoria, o silêncio.


E quanto à mobilização sindical? Outro deserto. Estamos em épocas de danças das cadeiras na APEOESP e o objetivo principal é cada um dos ocupantes de cadeiras e candidatos aos mesmos postos feudais se digladiarem entre si ou em turma. “Chapa 1” contra “Chapa 2” ou “Chapa 3”, e vice-versa na dança das chapas. É plausível imaginar como numa “guerra das chapinhas” com farinha de trigo, o importante é deixar a “roupa nova” do outro todo sujo para não ir à festinha do final do dia (ou seja, não vencer as eleições). Qualquer semelhança com episódios de pastelões televisivos não é mera coincidência. A disputa política é pertinente na tal democracia aburguesada, porém é preciso nortear que(m) se serve(m) deste tipo de disputa. Certamente, não impacta nenhum interesse da categoria que assiste tudo alheia ao estéril “debate”.


Salvo raríssimas exceções, há tempos que as categorias sindicais se descolaram definitivamente de suas bases e criaram uma autonomia e dinâmica própria como “zumbis apátridas”, traduzindo para a o imaginário popular, verdadeiros “cabidões de emprego”. A desertificação da visão sindical contribuiu maciçamente para o descrédito e desmobilização dos professores como construção permanente contra os desmandos sucessivos da gestão do tucanato paulista. A cada nova greve reproduzida na insana e estúpida guerrilha de palanques entre diretores da própria entidade é mais uma possibilidade de mobilização da categoria escorrida pelo ralo. Quem já não se sentiu como um verdadeiro palhaço assistindo ao teatro dos intocáveis “oradores sindicais” do palaquismo do plantão? Na postura feudal de cerceamento das bases sindicais, a APEOESP vem se tornando um sindicato meramente de fachada. O sindicato se infla com recursos da contribuição sindical dos professores, sustendo um vistoso aparato patrimonial que incluí até mesmo um questionável programa televisivo em horário pago para justificar e propagandear os atos feudais de seus diretores. Tudo com recurso dos trabalhadores e trabalhadores que são espoliados a cada dia por decretos que proíbem até os mesmos de adoecerem! Um dos últimos decretos de Serra é o limite máximo de seis abonos por ano. E se caso ocorrência de ausência por doença? Dane-se o professor ou professora e ponto final. E o outro sindicato, o tal CPP? Tem como grande contribuição para a categoria o zelo sistemático com o mortuário de seus membros e o turismo de suas colônias. Num mundo onde o neoliberalismo avança destruindo e flexibilizando direitos trabalhistas, os sindicatos perderam completamente seu horizonte de ação e visão de mundo.


Se os rumos das ações política e sindical parecem incertos num mundo fomentado de falsos paradigmas e dilemas esquizofrênicos, o que fazer para alterar o curso deste córrego? Não há outra alternativa senão uma profunda reflexão de quais caminhos a categoria pretende priorizar: aceitar a superprecarização de seus empregos ou lutar veementemente contra as políticas de sucateamento da educação pública. A profissão docente não é sacerdócio. E não é possível aceitar este paradigma de famigerada dispersão na sociedade. A figura da angelical “tia” é nefasta na educação pública. A categoria precisa entender que não são objetos semi-divinos de “encantamento do saber” onde tudo toca transformamos o “iletrado” num “cidadão do bem”. Estas bobagens precisam ser afastadas do imaginário docente e entender que somos realmente uma categoria de trabalhadores como quaisquer outras. Sofremos com os mesmos dilemas e sucateamento das reformas administrativas que projetam a privatização das funções do Estado. A luta é pela transformação de um modelo inútil e precário por uma alternativa onde a educação seja um motor de transformação e a profissão docente seja o elo fundamental que permite que haja tal manifestação do conhecimento e visão de mundo. Se nenhum aluno é uma ilha do Pacífico deserto, por que cada professor prefere a desertificação como meio de auto-punição de sua desmobilização? É preciso mudar esse quadro de desertificação do horizonte educacional.


Cabe ainda uma questão pertinente: cadê o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que permanece silenciado durante anos de gestão do tucanato paulista? Além de receberem polpudos salários e estarem acima de todas as leis que regem os demais mortais, quando seus enormes glúteos saíram das bem acolchoadas cadeiras para desfraldar o mundo que se passa fora de suas belas janelas? Nenhuma investigação, nenhuma postura que visa buscar respostas para a superprecarização dos contratos de trabalho da gestão tucana, a diluição dos direitos conquistados e perseguição trabalhista dos servidores e o supersucateamento das escolas públicas. Quais as reais ligações que subsidiam o silêncio e a passividade do MP-SP? Para que(m) serve(m) do MP-SP?


À hora é de desertificação e abandono. O aniquilamento do estímulo docente acaba impingindo um movimento de aceitação passiva da diluição dos direitos trabalhistas conquistados. Com isto, a profissão docente se transforma tragicamente em mero aparelho burocrático de transformar papéis em branco em “diplomas” para alunos semi-alfabetizados. A escola cumpre seu papel de agenciador do modelo fordista educacional no aparelho ideológico social ao estilo de Althusser. No modelo de desertificação da educação, a escola pública é constituída em apenas um violento celeiro estéril que tão somente fomenta uma horda de trabalhadores para os serviços terceirizados e no oceano sucateado da economia informal (incluindo neste nicho os “trabalhadores do narcotráfico”).


A reflexão é tão necessária quanto às práxis da mudança. É preciso estar ciente do volume heterogêneo de profissionais que movem a categoria docente e que poderão contribuir decisivamente para a arquitetura de um novo modelo educacional. É preciso dar um basta nas condições deletérias que são empurradas goela abaixo dos trabalhadores e trabalhadoras da educação pública, em especial, os profissionais da escola pública. Aos sindicatos, em particular à APEOESP, está mais do que na hora de cessarem as lutas fratricidas e estéreis por cadeiras e egos de seus diretores, visando criar uma coalizão político-institucional verdadeira em defesa da categoria. Talvez seja preciso refundar à própria APEOESP como um instrumento simbólico para uma nova fase de lutas e sem o retalhamento entre facções que até agora deixaram o sindicato cada vez mais enfraquecido e estéril.


A cúpula do tucanato paulista sabe muito bem das fragilidades da categoria e aproveita essa realidade para exaurir paulatimente os direitos trabalhistas e impregnar o selvagem modelo neoliberal de terceirização da mão-de-obra da burocracia estatal. Enquanto passamos horas estéreis buscando os “culpados” dentro das salas dos professores, acusando-se uns aos outros e rezando na cartilha do modelo tucano de diluição das categorias trabalhistas, assistimos de forma absorta e monolítica a destruição patente da escola pública no maior estado (ou província como preferem alguns “hermanos”) da América Latina. Toda transformação social somente é possível com a unidade e a participação massiva de todos os trabalhadores e trabalhadoras.

A solidão da sala de aula será a lápide da própria profissão docente.

Um comentário:

izabel/sp disse...

muito bom seu texto, francamente o governo atual deixa muito a desejar na educação, dá pra ter uma noção de como seria o país com um governo tucano.