quarta-feira, 14 de abril de 2010

Pós-greve e recomendação a um "jovem" professor


Diante das enxurradas com leptospirose neoliberal, o “pensamento único”, embalado na assepsia do “politicamente correto”, procria uma ideologização pragmática e de indolor contágio.

Para os que (ainda) torcem o nariz contra a eficácia das mobilizações dos atores sociais e o quanto isto (realmente) incomodam as elites dirigentes político-econômicas, creio que vale a pena refletir sobre uma “recomendação expressa” para "convencimento amigável" que foi dirigido "docemente" a minha pessoa nesta quarta-feira de 14 de abril de 2010:

*

"Acho que o senhor não precisa de dinheiro, senão não faria greve... E greve é pra gente que vive de ideologia."

(Diretora de escola da rede pública de São Paulo)


terça-feira, 13 de abril de 2010

Um Elogio à Eutanásia: Greves, Servidão Docente e o Fim do Sindicalismo



“Que época terrível esta, onde idiotas dirigem cegos.” (William Shakespeare)



1. A tampa do caixão.


Na última quinta-feira, 08 de abril, para quem esteve presente na fúnebre assembléia dos professores do ensino público de São Paulo, no vão livre do MASP, na Avenida Paulista, presenciou de forma estapafúrdia o fim de uma Era no sindicalismo tal como é conhecido hoje. O fiapo de credibilidade que a APEOESP, sindicato da categoria, ainda sustentava foi escoado para o ralo. Assim como deverá ser o destino de toda a trupe dirigente que representa um sindicalismo autista ligado de forma parasitária à moribunda APEOESP.

Os trinta dias de greve foram pulverizados em alguns minutos de puro deboche. O desrespeito sorrateiro e cínico com toda a massa de professores presentes na assembléia (e que bravamente ainda não havia sucumbido à vigorosa servidão que se abateu na categoria) não foi induzido pelo fascistóide do então governador José Serra ou seu amigo tucano, Paulo Renato, secretário de Educação. Nesta ocasião, saiu da própria direção da APEOESP o papel de algoz do movimento dos professores. A escandalosa falta de sensibilidade e desrespeito com toda a massa de professores ali presentes naquela assembléia se personificou na patética figura da presidente da APEOESP, Maria Izabel, ou simplesmente, Bebel. Em cima de um mini-carro de som, algumas figurinhas carimbadas da direção sindical, fazendo malabarismo para disputarem o microfone e discursar para seus grupos de apoio (num lírico eufemismo, os tais “coletivos”). O que se viu (e o filme não é novo) foi cada dirigente preocupado unicamente em agradar sua pequena platéia de bajuladores, enquanto toda a massa de professores ficava atônica diante das enxurradas de frases de chula retóricas e chavões carcomidos. Sem mais, nem menos, numa votação relâmpago, no meio do crivo de tantas falas ao estilo das cataratas do Iguaçu, a direção da APEOESP, decretou o fim da greve. Tão democrático e transparente quanto às práticas de Hitler, Stálin, Bush Filho ou Ahmadinejad.

Seguiu-se o rolo compressor da máquina sindical. Feito isto, a presidente da APEOESP colocou uma pá de cal no movimento e como boa “patroa” que acredita ser, literalmente mandou todos os professores presentes naquela assembléia para a casa. Sim, sem exageros ou eufemismos recorrentes, como cães-sem-dono e com o rabo entre as pernas, centenas de professores ficaram perplexos diante da indiferença que a ação da diretoria sindical destinou aos presentes. E a agenda programada previamente para o ato: a caminhada pela Avenida Paulista até a Praça da República? Tudo foi subitamente abortado ao bel-prazer de meia-dúzia de “lideranças”.

Sem nada concreto, sem nenhum tostão garantido, sem nenhuma reivindicação atendida, sequer uma promessa de alguma coisa, toda a mobilização dos professores foi chutada como se fosse um cachorro morto. Todavia a direção sindical comemorava como se fosse uma “vitória” o término da greve. Paranóia ou manipulação? Eis a face do sindicalismo autista (ou para usar um chavão bem conhecido no meio sindical: o “peleguismo”) em tempos neoliberais. Descolados da realidade, tal casta dirigente usa e abusa de uma sofrida, alienada e servil classe docente para simplesmente desmoralizar ainda mais os movimentos voluntários dos que ainda acreditam na resistência contra os projetos neoliberais. Pior que as atitudes arrogantes de Serra e Paulo Renato, são os atos de uma direção sindical sem o menor pudor e compromisso com a realidade dos trabalhadores de sua categoria.




2. Cabides de emprego.

Ao observar o caso da APEOESP, durante sucessivos anos, muitos de seus dirigentes sindicais ocuparam de forma feudalizada suas cadeiras em eleições tão transparentes quanto às cristalinas águas do rio Tietê. Com a credibilidade localizada na Fossa das Marianas e sem um mínimo de senso de realidade, tais figuras agem como aves de rapina que apenas vampirizam o erário público, pelas artérias da estrutura partidária ou sindical. A luta famélica nas entranhas do círculo sindical se transformou praticamente na perpetuação no poder de suas lideranças autistas e narcíseas. Quanto aos trabalhadores, resta à orfandade de um sindicato burocrático, inchado, perdulário e feudalizado. Em verdade é bom dizer que a democracia sindical é um paradigma ainda a ser praticado com vigor assim como a “democracia” em muitos partidos e agremiações que se auto-rotulam de “esquerda”. Pior que o fascismo da direita é o cinismo de uma suposta esquerda fetichizada pelo poder.

Desmoronou o Muro de Berlim como arquétipo de um símbolo, mas não ruiu a mediocridade e os ranços totalitários dos grupos que se amiúdam em torno de laços supostamente “socialistas” e similares. No campo de propostas factíveis para a Educação, o fosso do aneurisma engloba a “esquerda” e “direita”, sem visão do presente ou lampejos para o futuro. Enquanto a direita se articula na macropolítica em torno dos interesses econômicos privados, a esquerda se corrói entre si por nacos fálicos de ilusório poder, o micropoder. Como no jardim da infância, brigam entre si por pequenos brinquedos e a ordem é a fragmentação de toda e qualquer unidade. No caso da APEOESP, há mais agremiações de coletivos do que times de futebol da segunda divisão do campeonato paulista!

A conta é simples: onde há falta de credibilidade, quanto maior é a fragmentação, maior é o rancor e ódio entre si. Logo, não era de estranhar a briga de socos e tapas entre membros de alguns coletivos que ocorreu após o abrupto encerramento da assembléia dos professores desta ultima quinta-feira. A indignação pelo resultado aliado aos desmandes do linchamento verbal entre os “coletivos” teria como subproduto o incitamento ao tumulto entre os descontentes com o rumo que a direção do sindicato tomou no movimento. Se houve perda de força e porosidade na construção do movimento, além das levas típicas do “peleguismo” (atado a um tom reacionário ou franca resignação), certamente é da direção da APEOESP toda a responsabilidade. A entidade na prática por nunca se interessou realmente em construir um novo modelo de articulação política entre os trabalhadores. Coube a APEOESP fazer a “fumaça” da greve e sobrar covardemente para as costas dos professores a responsabilidade pelo “esvaziamento” do movimento.

Para a direção que ocupa as cadeiras da direção da APEOESP, ter ou não greve, é apenas uma questão de ventos favoráveis aos mesquinhos interesses narcíseos. Quanto a situação dos professores “não instrumentalizados” nas disputas circenses dentro do sindicato, relegou-se ao último plano das preocupações desta casta dirigente. Aos professores cabe a responsabilidade de não se interessar em buscar seus próprios direitos trabalhistas e se contentar silenciosamente na servidão voluntária. A letargia é a estéril massa pastosa que rege o autismo sindical.




3. Desorientação e declínio vertiginoso.

Provavelmente o maior de todos os ativos políticos de consolidação da hegemonia neoliberal no Ocidente após a queda do muro de Berlim é a dispersão do chamado “pensamento único”, calcado na democracia eleitoral e o neoliberalismo. Entre o preto e o branco, predomina o martelo da cor cinza. Na política, a “esquerda” e a “direita” são antagonismos cada vez mais siameses. Neste ínterim, o movimento sindical perdeu vertiginosamente sua identidade e força política.

Varias são as explicações para o declínio do sindicalismo, seja pela incapacidade de articulação de suas lideranças para os “novos tempos”, seja pela resignação complacente dos seus membros. Para muitos sindicatos, como a APEOESP, a luta interna pelo poder na direção se tornou a maior preocupação de suas lideranças e dos diversos coletivos que abrem mão de buscar alternativas contra a desertificação do trabalho e se esforçam de maneira fratricida para destruírem uns aos outros. Logo, tais grupos e pessoas abusaram no uso maciço das lições de Maquiavel de uma maneira estritamente troglodita!

Na “fronteira” do movimento sindical, tramitam desde os xingamentos aos sopapos distribuídos às toneladas. O dialogo crítico e racionalizável cedeu espaço para a afronta gratuita e paranóias rocambolescas. Quem não veste a “camisa” para aderir a alguma corrente dentro da estrutura sindical, resta o insólito programa de ficar assistindo atônico à diplomacia atabalhoada bem ao estilo paspalhão de Moe, Curly e Larry. Em tese, uma consciente politização (não confundir com alienação partidária) é um valoroso instrumento para a articulação e fortalecimento das estruturas de qualquer organização social.

Nas lutas frenéticas no útero sindical, como no caso da própria APEOESP, a fragmentação é o retrato mais contundente que faz da alienação pelo poder um poderoso combustível para a cegueira da realidade. Entre trabalhar com a responsabilidade perante seus membros e destruir um “coletivo” inimigo, o sujeito sindical abduzido pela senha alegórica do micropoder não hesitará em descarregar suas energias pela segunda opção. O resultado é a clamorosa desertificação do senso de realidade. Segue a simples lógica da cegueira imediatista nos tempos acinzentados do neoliberalismo: “na ausência de foco materializável, o ‘inimigo’ é o meu companheiro!”.




4. Adeus aos constrangimentos.

A “Folha de S. Paulo” de 02 de abril, na coluna da experiente jornalista Mônica Bergamo, trouxe uma “entrevista” com a presidente da APEOESP, a Bebel. De prontidão, duas questões de imediato chamavam a atenção do leitor mais esclarecido: a “pose” do clique fotográfico que estampava a esfinge de Bebel que centralmente era o foco da página e a “entrevista” da mesma no caderno “Ilustrada” no meio da coluna social da Folha (e muito além de qualquer nuvem política na reportagem). Apoiador imediato do seu ex-colunista e candidato ao Planalto, José Serra, é curioso notar que a Folha foi um dos veículos da Big Mídia que mais se preocupou em dar o caráter “invisível” da greve dos professores. Em nome do “julgo jornalístico”, a Folha sem a menor cerimônia distorceu realidades, fatos e números de forma parcial e sorrateira induzindo ao leitor a vários equívocos. Portanto, por qual motivo a Folha daria espaço de “bandeja” para o movimento dos professores? E não deu! Antes de tudo, é importante destacar para o leitor que a tal “entrevista” não foi uma entrevista, mas uma reprodução de conversas da jornalista com a Bebel em “off” (ou seja, uma entrevista “indireta”). O lado “mulher” da presidente era o foco, com brilhantes contribuições para os assassinatos da língua portuguesa e do bom senso. Em sua coluna, Bergamo apresentou na sua coluna de socialite a presidente da APEOESP como uma vaidosa e fútil emergente do alpinismo social e sindical. Nada demais entre tantas bobagens estéreis ditas nestas colunas sociais, porém, quando se esta em jogo não é importantíssima falta de depilação nas “pernas peludas” descritas pela própria Bebel (!), mas o fiapo de credibilidade que ainda residia na APEOESP, e por extensão, que atinge a categoria docente.

Os constrangimentos de conceder matéria para a Folha não existe mais quando se atende aos mimos narcíseos da casta dirigente. De futilidade em futilidade, o que estava destilado numa “entrevista” bisonha é uma presidente de um sindicato que conduzia um movimento grevista sem o menor compromisso com o cargo que supostamente deveria dar mais valor ou credibilidade. A postura narcísea da presidente é que deu o tom da conversa à Bergamo. E quanto ao movimento dos professores, nenhuma palavra. Irônico é o título da matéria da “entrevista” de Bebel: “Greve: Bebel bota pra quebrar”. Em tom de irônica alusão da estúpida pancadaria promovida pela Polícia Militar contra os professores na assembléia de dias atrás, próximo do Palácio dos Bandeirantes. À boca pequena, alguns dos apoiadores de Babel tentaram justificar a “entrevista” à Folha como sendo uma “montagem”. Uma difícil defesa contra fatos tão verossímeis. No entanto, no próprio site oficial da entidade, no “Blog Palavra da Presidenta”, a entrevista de Bebel à Bergamo foi reproduzida na íntegra. Sem a menor contestação à matéria da “entrevista”, a direção da APEOESP deve acreditar que foi um fator “positivo” e a qual obteve alguns comentários de apoiadores eufóricos com a ascensão meteórica ao “showbizz” de sua “liderança maior”.

Na sociedade da informação (e também de sua manipulação), o poder da imagem é um imprescindível ativo que tem o toque áureo de Midas. Para uma sociedade que aplaudiu alienada as “peruices” da aluna-ficção como Geyse Arruda no episódio farsesco da UNIBAN, por que não aplaudir uma vaidosa Bebel, a “líder” da APEOESP? Qualquer semelhança são apenas plumas e patês. A meteórica ascensão do anonimato ao estrelato midiático da futilidade. Ainda é interessante mencionar algumas outras performances da “líder” Bebel e seu show de horror particular à frente da APEOESP. Basta ler as “inteligentes” declarações da presidente na Big Mídia. Pura mixórdia!

Cabe uma alegoria à atuação da presidente da APEOESP. Como uma noiva deixada na porta do altar, a presidente no meio da greve vociferou uma série de patéticas frases-feitas contra a figura do (ex-?) governador José Serra, como se este fosse o surreal ex-noivo da presidente. Daí que a Big Mídia usou as desastradas falas de Bebel e taxou em seus jornalões a peça da “greve política”. Com uma presidente assim, quem precisa de inimigos? Comezinhos à parte, Bebel se personificou no que existe de mais fútil e estéril na política sindical.

Questionam-se tantas bobagens nas praticas fascistas do “politicamente correto”, em tantos debates estéreis em questões de gênero, sexualidade ou étnico, que quaisquer críticas às praticas fanfarronas pelo micropoder é logo taxado de “preconceituosa”. Logo, uma “mulher” à frente do maior sindicato do Brasil poderia ser algo “positivo”, mas deve-se prender atenção para o olhar que suas práticas são tão deletérias que se torna apenas um fardo morto para a própria atuação do sindicato. Por que aplaudir tanta bobagem por parte de uma presidente de uma entidade significativa pelo simples fato de ser “mulher”? Não parece razoável esta defesa à perpetuação do autismo sindical. Sua renuncia em conluio com toda a direção atual da APEOESP é o melhor dos serviços que estas pessoas poderiam agregar positivamente ao movimento. Naturalmente, como não mais existe sequer o constrangimento desta elite do micropoder de ostentar a incompetência e a mediocridade, vão se tornando cada vez mais podres e inúteis as estruturas da ação sindical.

O naufrágio do movimento sindical tenda a ampliar o fosso que separa a cabeça ávida de seus dirigentes pelo micropoder e a realidade propriamente dita. A atuação da direção da APEOESP além de desastrada foi omissa e politiqueira. Levou a mais um fracasso da categoria dentre tantos outros fracassos durante os terríveis anos dos tucanos na gestão da educação pública no Estado de São Paulo. Para piorar a situação, como a direção do sindicato fez de tudo para esvaziar o movimento dos professores, ficou para a sociedade o tom que Serra e Paulo Renato quiseram emplacar, ou seja, a galhofa da tal “greve política”. E pegou!

No jargão do sindicato, a “base” (ou seja, a massa de articulação com os trabalhadores), mesmo com seus limites de atuação, bem que tentou por osmose se esforçar para dar musculatura ao movimento que começou de forma tímida e um tanto precipitada. A direção da APEOESP, com uma postura mais interessada em fazer coro imediatista aos seus militantes de coletivos e produzir “fumaça” casuística, deixou de lado a construção da greve e sobreviveu de tom histriônico da retórica fútil do palanquismo. Logo, o sucesso da vitalidade da greve era tão previsível quanto à eficácia dos tratados de paz árabe-israelense promovidos por Washington. E como sempre, o governo Serra, com a experiência tucana do desmonte de movimentos populares, sabia disto e contava com a notória ineficiência disciplinar das cabeças politiqueiras e fanfarronas da direção da APEOESP.




5. Saldo da greve.

Entre derrotas e vitórias, o balanço global é estritamente negativo. O único fator positivo é a mobilização dos professores num momento de grande letargia da catogia. Um momento de desespero no bolso de uma multidão de docentes que se uniu às passeatas pela Avenida Paulista e Rua da Consolação e não necessariamente pelo viés da consciência política. Aliás, para uma classe que ostenta o “monopólio do saber”, a conscientização política na grande maioria do seu coletivo passa lá pelas fronteiras sul-africanas de Johanesburgo. É salutar compreender que no meio da hecatombe educacional do sistema público de São Paulo, milhares de professores deixaram temporariamente de lado seu cabresto voluntário e perfilaram nas ruas em prol de sua identidade perdida no leito oceânico do Atlântico. Muitos irão dizer que só trocaram o pó de giz na cara e pisaram no asfalto apenas por que seus salários terminam já no primeiro quartel do mês. Antes à indignação narcísea à resignação complacente.

Subtraindo os lampejos de resistência da classe docente, todo o resto foi lamentável! O que fica é a postura cínica, medíocre e covarde da direção da APEOESP; o escancaramento do fascismo direitista da Big Mídia; a postura arrogante e fascistóide do postulante ao Planalto, o (ex-?) governador José Serra; a indiferença do governo federal via MEC que nada fez para mediar o impasse nas negociações; exceto um ou outro nome, mais uma vez se notabilizou pelo desdém da classe política perante a Educação Pública e a crise educacional que se alojou em São Paulo. Aliás, é notório que a temática da Educação jamais foi prioridade em nenhum governo no Brasil. Enquanto se procura remendar os fracassados e fajutos projetos educacionais, a permanência do autismo sindical, a perpetuação de uma classe de professores-tarefeiros que é facilmente cooptada pela promiscua servidão voluntária, se torna praticamente impossível rascunhar uma nova agenda para fazer a imprescindível revolução na Educação pública.




6. Eutanásia ou trevas?

Antes de qualquer coisa, é pertinente frisar que os professores que bravamente resistiram a um mês de luta, buscaram combater a resistência de muitos colegas resignados e ainda terão descontos dos dias parados religiosamente nos seus salários, é bom deixar claro: tais pessoas não são otários. A esmagadora maioria dos professores que entraram em greve real (e não apenas paralisações pontuais e casuísticas) não fez por amor a nenhuma mirrada elite política dos quadros da direção sindical. As razões de adesão à greve foram bem além do mero pragmatismo salarial. A APEOESP como entidade representante dos professores desmoralizou toda a categoria com uma assembléia farsesca que sequer cumpriu minimamente a agenda prometida no ato do dia 08 de abril. Pertinente relatar o esforço hercúleo de uma massa expressiva de professores que saíram de suas cidades do vasto interior paulista para engrossar o movimento das assembléias e passeatas na capital. Salienta-se que a direção da APEOESP tanto fez para desmoralizar e desmotivar tais valorosas pessoas que praticamente lutaram sozinhas na grave ou com apoio de algumas de suas pessoas das subsedes, e ainda serem “coroadas” com o humilhante título na Folha de S. Paulo de 09 de abril, dia posterior ao decreto do “fim da greve”: “Professor encerra greve com 0% de reajuste”. Com ar de vitorioso e sonhando com o Planalto, Serra sorriu de orelha a orelha a batalha contra os baderneiros de “1% da categoria”!

Se a mobilização enfraqueceu não foi pela “ação” do governo, como a brilhante Bebel em nova e desastrosa mini-entrevista na Folha Online de 10/04, com a sapiente e motivante conclusão da presidenta: “Mas qual categoria agüenta 30 dias de greve?” ou ainda outra pérola do corolário de Bebel: “Não dá para oferecer 0% toda hora”. Diante de tanta patacoada da direção da APEOESP, não resta dúvida que a renúncia coletiva é a único caminho menos traumático e mais louvável para o bem do próprio sindicato. Naturalmente esperar alguma hombridade destas pessoas que se alojaram nas estruturas sindicais como cracas em fundos de navios, é o mesmo que aguardar (sentado) uma nova configuração política das Nações Unidas. Com a renúncia coletiva da direção executiva da APEOESP, poderia ocasionar uma possibilidade real de refundação da entidade. Urge um novo sindicalismo para além das práticas já desgastadas, com um horizonte de novas ações, maior lisura e democracia interna, um olhar mais verdadeiramente voltado para a classe trabalhadora. Não cabem velhas práticas que não mais comportam num mundo metamorfoseado pelo neoliberalismo e se faz necessário o estabelecimento de novas estratégias para um modelo sindical combatente, moderno e renovado.

Para um mundo cada vez mais turvo movido a um narcisismo mercadológico consumista, é necessário a reflexão para um novo sindicalismo em busca de apoiar um novo modelo de educação pública. Urge um novo modelo, um olhar livre e emancipado do voluntarismo servil dos trabalhadores da educação que se acomodaram com a agenda neoliberal que vem sendo imposta pelos sucessivos governos do PSDB. Um exemplo desse servilismo voluntario é a grande quantidade de professores que se submeteram as ridículas provinhas do “mérito” para conquistarem um suposto aumento salarial que fere frontalmente a isonomia da categoria.

Para a maioria dos professores, tornou-se “aceitável” trabalhar em escolas com salas inchadas de alunos, sucateadas e infestadas pela patologia da violência explicita. O que assusta mais ainda é um discurso que se aceita apenas assegurar algumas “almas” se safarem do caos instalado no ensino público. E quem se “perdeu” durante o processo? Este estará seguramente fadado ao ostracismo e a marginalidade. O sistema escolar da forma que se arrasta atrás dos anos é um perverso laboratório do darwinismo social. Os não-aptos, ou seja, a grande maioria, são expelidos para fora do sistema.

A educação pública universal, gratuita e de qualidade são elementos que constitui os alicerces para uma sociedade que busque trabalhar em prol de um horizonte da igualdade de oportunidades. Uma educação pública integral que compreenda todos os estágios de evolução do ser humano até sua inserção madura na sociedade. Notadamente, os debates a este respeito no seio do atual sistema sindical é um desolador deserto. Diante do caos, as nuvens são espessas e acinzentadas. Aos professores cabe a reprodução tarefeira do seu trabalho e ainda muitos não se aceitam no rótulo de “proletariados”. Quando a apatia rege as ações, o resultado é uma corrosiva servidão voluntária e autofágica.

A vida e a morte são faces unívocas de uma mesma moeda. A eutanásia é um processo de sublimar a dor e dar alguma dignidade ao paciente terminal. A educação pública está há tempos neste estágio vegetativo e abraçada a um modelo que absolutamente não serve para anda, além de triturar o futuro de milhares de alunos. A “boa morte” é um mecanismo de finalizar o sofrimento e assim possibilitar a construção de um novo paradigma a ser construído em detrimento ao caos existente.

Os caminhos para um novo mundo são regidos por trilhas ásperas e íngremes. Basta saber se a servidão docente será maior que a luta por reconhecimento e dignidade num mundo regido por uma perversa lógica de um sistema educacional que é um verdadeiro convite à eutanásia. Parafraseando o poeta português, Fernando Pessoa, navegar é preciso, viver não. Empurrar com a barriga ou criar um novo horizonte de perspectiva humana? Diante do caos, as escolhas a serem feitas são razoavelmente simples e a válvula do tubo de oxigênio está ao alcance da mão de cada profissional comprometido com a educação pública.

segunda-feira, 29 de março de 2010

O Covarde Porrete de Serra contra a Greve dos Professores: Crônica de uma Estúpida e Previsível Batalha no Morumbi




1. Alerta ao leitor

Campo de guerra. Insanidade, truculência generalizada e nostalgia de um tempo que ainda não se desfez. Sintomas que a história se repete quase sempre com as mesmas cores e péssimos aprendizes. O que se presenciou nesta sexta-feira, 26/03, em frente ao estádio do Morumbi e ao lado do Palácio dos Bandeirantes é o que podemos classificar de pateticamente bizarro. Teço aqui uma conjuntura estritamente pessoal de quem acredita na mobilização dos trabalhadores, mas não crê na retórica do palanquismo histriônico ou na tal “liberdade” na semidemocracia brasileira.



2. Greve e retóricas bobagens

Toda greve é essencialmente um movimento político. Os governantes sempre procuram confundir a opinião publica buscando desqualificar os movimentos grevistas. No caso da retórica do governador José Serra, o seu discurso foi sempre de desqualificação do movimento, além das demais ladainhas que preenchem as poucas páginas da Big Mídia sobre a mobilização dos professores do ensino público do Estado de São Paulo. Porém somente uma pessoa demasiadamente ingênua para acreditar que as ações humanas não são movidas pelos motores de natureza política. Aliás, é oportuno separar a política da politicagem. Para variar, toda greve é essencialmente “política” assim como é igualmente “política” o uso e abuso dos cacetes, bombas e balas de borracha dos policiais que cumprem ordens do "patrão" de ocasião. Importante é refletir para uma necessária uma indagação: para que(m) serve o uso de uma greve “política”? No caso específico de um movimento de trabalhadores no sistema capitalista, espera-se que seja usado como um dos instrumentos de melhor pressão na luta por direitos de sua categoria. Há os que questionam a “greve” como instrumento ultrapassado na “hipermodernidade”. Todavia, em nenhuma sociedade de classe prescindiu de um movimento grevista que tem em si um fantástico poder de persuasão e combate. O que devemos questionar são as formas de mobilização e organização. Sem fazer o uso da violência como “tática de ação”, a greve sempre será o maior e mais importante instrumento que dispõe uma classe oprimida em momentos de grande impasse.



3. Descaso e arrogância de Serra e seus tucanos

Organizar uma mobilização de uma imensa e heterogênea categoria como os professores do magistério público de São Paulo não é o mesmo que chamar a turma do bairro para bater bola no final de semana com direito ao tradicional churrasquinho. Tal mobilização de professores, não passa por outro caminho a não ser a construção através da via política. Além dos fatores objetivos que se constitui na ação política, também uma mobilização conta com fatores de grande importância subjetiva como é o caso da indignação e da angustiante desesperança. Agora é risível que velhacos da política como o governador José Serra e seu amigo ocupante provisório da cadeira de Secretário de Educação, Paulo Renato, ficarem alardeando a mesma baboseira de sempre diante das câmeras: “é uma greve política e do PT para desestabilizar o governo Serra”! Claro, claro... Porém nenhum dos dois não diz que o salário base de um professor de “jornada básica” concursado e com nível universitário não passa de dois salários mínimos mensais! Um dos piores salários pagos aos professores no Brasil e ainda é imensamente pior se comparado à economia paulista em relação aos demais Estados da federação. Claro que os ilustres administradores não falam da dificuldade sobre-humana que é dar muitas aulas, em salas lotadas com segurança e logística precárias e, ainda por cima ter que ouvir, de vez em quando, uma doce e explicita honraria: “ei, ‘profe’, vai tomar no c...!” (ou seja, mais nobre singeleza verbal entre tantas outras que apenas reflete nosso delicioso fosso educacional!). Isto sem dizer a massiva leva de professores que padecem agressões físicas e psíquicas ao logo do tempo dentro das precárias condições de trabalho. Ao professor que passa mais de uma década neste sistema insalubre, além dos baixos salários e perda de identidade, é “premiado” com problemas psicossomáticos que desembocam, por exemplo, em fatores cardíacos, cancerígenos ou da natureza psíquica.

Serra e Paulo Renato não dizem à população a verdade sobre o falido sistema educacional que sucessivas gestões do PSDB fizeram o grande favor ao Estado de São Paulo ao destruírem com um tsunami tudo que era possível. Primeiro porque eles não visitam escolas, não entendem patavina da área de Educação (se é que entendem alguma coisa de administração pública além de construir pedágios em estradas privadas e movimentar o “caixa dois” para a campanha em crateras superfaturadas do Metrô!). A dupla não conhece o que administra e é possível que sequer saibam a diferença de ensino fundamental ou médio. Mesmo porque para ilustres personalidades tucanas, escola pública é coisa de pobre, logo, ele (o pobre) somente interessa em épocas eleitoreiras. E quanto ao professor? Que se dane esta cambada que só sabe fazer “trololó”! Serra não é um homem democrático e nem faz questão alguma de ser tal figura. Quanto à sinceridade do não-disfarce do seu lado arrogante, isto é possível dar um crédito ao nosso governador que anseia a brincar de pulo dos Palácios: dos Bandeirantes para o Planalto. Para a nata coalhada da conservadora burguesia paulistana e a vassalagem explicita dos “cidadãos emergentes” (vulgo a tal eterna oscilante e remediada “classe média”), “Serra é o cara!”. Serra é um homem que trabalha não perde tempo: desce a borrachada em vagabundos que atrapalham o transito ou enchem o saco da nobre vizinhança. É... Serra é mesmo o cara... O cara-de-pau!



4. Rumo ao Gueto de Varsóvia paulistano

E voltado à essência paleolítica que permanece rondado até o limiar da segunda década do século XXI. Sigo minha jornada. Para cruzar do extremo da Zona Leste até o Palácio dos Bandeirantes, local da bendita assembléia dos professores, se gasta tempo e paciência... Aliás, muita paciência! Creio que aqui mereça uma prosaica observação. Compartilhando do confortável sistema de transporte da cidade que outrora foi administra pelo então Prefeito José Serra, e que passou o bastão para seu pupilo, o atual Prefeito Gilberto Kassab, converso com uma passageira... E como uma descoberta de petróleo na camada de pré-sal, fico sabendo que ela é da “juventude do PSDB” (ou seja lá o que diabos possa ser isto!). Ex-estudante de jornalismo e voraz leitura da imparcial revista e porta-voz semanal do seu partido, a “Revista Veja, a moça exprimia seu asco pela histórica “cúpula tucana” (José Serra, Mário Covas e Geraldo Alckmin). Pergunto a revoltada tucana: “O que ou quem ‘presta’ no seu partido?”. De bate e pronto ela respondeu: “FHC, é claro!”. Que lindo, uma sobrevivente “Efeagacete”! Para minha felicidade ela apoiava “totalmente a greve dos professores”. Emotivo e Cristo haverá de salvar sua alma, oxalá meu Pai!

Horas depois de fazer turismo metropolitano, enfim cheguei ao matagal onde seria realizada a assembléia. Diga-se de passagem, que não é de se admirar que a administração de Serra seja um caos, sequer o tucano manda pedir para seu pupilo Kassab aparar a grama da própria “casa”! A sensação era de estar adentrando na versão “tropical” do macabro Gueto de Varsóvia, criado pelos nazistas para exterminar os judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Enfim, perdido nas estranhas ruas que ronda palacetes de arquitetura arrogante da burguesia paulista moradora do Morumbi, enfim finalmente na praça em frente ao Estádio do Morumbi.

Em suspensão na atmosfera local, fluía uma sensação claustrofóbica de estar acuado em meio ao matagal, ruas fechadas, tropas policiais rondando o terreno e o impávido estádio de futebol. O cenário evocava para ser desenhada uma previsível tragédia. Pela aglomeração de pessoas, mais parecia dia de algum clássico do futebol a espera de abrir os portões do estádio. Desta vez, o “espetáculo” se desenharia pelo lado de fora dos muros. E diante de tal convidativo cenário, para quê eu estava ali, naquele local esmo? Ah sim, claro, a assembléia, voilá! O carro de som da APEOESP ligado no meio da praça, e como sempre entoavam todos os extensos e soníferos destilares de discursos dos oradores na guerra pelo microfone e gotas de atenção. Empoleirados no carro, tais discursos são tão inovadores, diferentes e criativos quanto um esquema tático de qualquer time do futebol japonês. Enfim, eram os tímpanos do ofício docente em jogo em prol da dignidade da profissão! Resistir ao cansaço e driblar as intempéries são exercícios de hercúlea paciência! Enquanto as práticas do capitalismo neoliberal se metamorfoseiam buscando habilidosamente se atualizar no seu processo de alienação e opressão, os discursos sindicais continuam congelados em algum lugar do passado.

Que dia feliz! Tarde de céu nublado, prometendo uma baita chuva... E observava centenas de professores naquele imenso sacrifício de estar naquela praça insólita e ouvindo verborragias mais insólitas ainda. Não tenho dúvidas que tais colegas já devem ter garanto um lugar no Paraíso de Dante! Somente pelo fato de serem professores de escolas públicas (que são muito mais uma extensão “pedagógica” do sistema carcerário) já mereceria o Paraíso. E imagina ter que agüentar discursos cheirando a mofo de muitas oportunistas “lideranças”? É o Paraíso sem escalas e o desespero sem limites!

Passa o tempo e vem a prometida chuva. Para não se confundido com peixe, é olhar a carteira e ter algum trocado para comprar uma “fashion” capa de chuva na logística surreal dos ambulantes locais (eis um exemplo do custo monetário da greve para quem sequer ganhou o mimoso bônus que tanto Serra propagandeou... Oh, que lástima!). Discursos e mais blábláblás de praxe e, não poderia deixar de ser diante da arrogância de Serra, foi aprovado por todos os professores presentes a continuidade da greve. Vale ressaltar a voluntariosa energia e disposição dos colegas professores em continuar na batalha, pena que a “ilustrada” turma da direção da APEOESP não ajuda na construção e consolidação do movimento. A esmagadora maioria que estava presente nas ultimas assembléias dos professores e também ali, no Morumbi, não estavam por alguma lascívia amorosa pelo sindicato ou signatários a nenhum partido. Não faziam campanha política ou “insurreição popular”. O que se explica o crescente volume da adesão do professores, que embora fosse corrido pela insegurança, apatia por parte dos sindicatos e a generalizada despolitização, tais colegas tinham como alicerces de sua coragem o inconsciente desespero e o sentimento voraz de abandono desta categoria que não agüenta mais a precariedade de sua condição de vida. O aporte ideológico, neste caso, é trocado pelo instinto primário de mera sobrevivência.



5. Preparando o campo de batalha

Com paciência já no limite, a multidão de perseverantes professores entende que seria necessário subir a Av. Geovanni Gronchi e seguir a caminhada até o Palácio dos Bandeirantes, o lar-doce-lar momentâneo de Serra. Resolvido o penoso impasse, um grupo de manifestantes sobe em direção à avenida, e para surpresa (e que afinal não era surpresa alguma), uma visão se avizinhava. Quem estaria ali? O Bicho-Papão, não! Bem mais feio... Eram os soldados da Polícia Militar e seus colegas gentis da Tropa de Choque bloqueando ostensivamente a passagem. Pensemos: o que poderia acontece numa multidão já cansada e irritada por anos de descaso governamental diante de sua profissão e um bando de brucutus sedentos por “diversão”. Um doce para quem adivinhar!...

Para quem já esta acostumado de ver mobilizações da categoria, é quase sempre uma novela de capítulos reprisados (e que por sua vez, são partes atávicas a este processo). No meio de todo um grupo que com alguma homogeneidade desejam alguns objetivos em comum, sempre surge uma fragmentar minoria dos mais exaltados, mais enfurecidos, os imbecis de plantão, os afoitos candidatos à mártir de ocasião e saudosistas dos “anos de chumbo”. Não pode esquecer-se de mencionar os “elementos estranhos” às pacíficas mobilizações que buscam deliberadamente prejudicar e incriminar qualquer movimento de natureza trabalhista ou social. Essa tal “democracia”...

Absolutamente, nenhum professor em momento algum deixa de sua casa, seus filhos, e seus afazeres para brincar deliberadamente de “Rambo” nas ruas paulistanas e correr risco de vida. Como qualquer profissional, todo docente que leva a sério seu oficio apenas quer ser ouvido, respeitado e acima de tudo, ter um tratamento digno de sua carreira.

Já escreveu o médico e sociólogo francês, Gustave Le Bom, em 1895, “pouco aptas ao raciocínio, as multidões mostram-se muito mais aptas à ação”. “Brasil, um país democrático”? Devo ter lido isto em alguma propaganda governamental... Pela explicação oficial, há uma lei que não permite manifestações em torno do Palácio dos Bandeirantes. Motivo? Quem é o péssimo governante que quer se incomodado pela população? Para variar a postura do governador Serra, foi dar um “passa moleque” na multidão e sequer estava na capital nesta última sexta-feira. Como todo governante de rabo preso, nestas ocasiões de aperto popular, a outrora figura opulenta foge imediatamente. No caso de Serra, para se esquivar da culpa pelo tétrico teatro que iria ocorrer, a desculpa foi que estava “cumprindo agenda no interior do Estado”. Mas nosso excelentíssimo governador foi um anfitrião cordial e mandou mais de quinhentos oficiais da Polícia Militar cercar os arredores onde se concentrava os professores que faziam a assembléia. A preparação do circo de horrores tucano contra os professores só estava no início. Há dois dias, Serra já mostrou seu cartão de visitas com as agressões policiais contra professores que faziam manifestações na cidade paulista de Franco da Rocha. Logo, os sinais eram mais do que previsíveis no que iria ocorrer na assembléia dos professores nos arredores da fortaleza de Serra.



6. A hora da bestialidade

O tempo prossegue sufocante com momentos de impasse e tensão. Na entrada da Av. Geovanni Gronchi, é fechado por um caminhão colocado estrategicamente pela Polícia Militar e dezenas de policiais perfilados. Um grupo de manifestantes mais exaltados começou a tentar furar o bloqueio policial fortemente armado. É importante frisar que duvido que a grande maioria deles fosse realmente algum honesto professor, mas sim elementos estranhos interessados em provocar deliberadamente o conflito! Mãos e pedaços de pau e pedra contra escudos e cassetetes: um belo e equilibrado retrato do sanatório! Após algum tempo de impasse, começou enfim a esperada generosidade de Política Militar com seus disparos de balas de borracha, bombas de efeito moral contra os professores. Desespero generalizado e corre-corre em espaço delimitado dos assustados professores que se encontravam acuados como ratos no Gueto de Varsóvia local. Ainda mais exaltados, outro pequeno grupo de supostos manifestantes em prol dos professores subiram no caminhão que estava bloqueado o acesso da passeata e do carro de som do sindicato. O circo já estava armado e explosivo.

Para quem queria um teatro de boçalidade e sangue, foi recompensada a grande e mórbida expectativa da espera. Não demorou muito para começar a aparecer os primeiros feridos. Um rapaz estava desmaiado e seu corpo transitava apressadamente carregado por colegas. Depois um homem com a boca sangrando parecia ter sido agredido por cassete. Sucessivos estouros de bombas e um pandemônio dentro do matagal. Outro momento chocante, uma mulher com a cabeça machucada com vestes em sangue estava sendo carregada. Seguiram-se cenas onde vários professores passaram mal devido a atmosfera impregnada de gás lacrimogêneo lançado pelos policiais. Observo em meio ao corre-corre, um senhor com as costas marcadas com tiros de balas de borracha (observei rapidamente no mínimo quatro destas marcas). Uma cena insólita foi à visão que tive de uma professora desesperada pedindo para a multidão desarmada partir para cima dos policiais completamente armados: o tom de indignação era da cor de sua face rubra. Nestes momentos de grande tensão e provocação deliberada, a sanidade é deixada de lado e o instinto primário leva a situações desastrosas.

O circo prosseguia. Um tétrico barulho de mais bombas atiradas pelos policiais contra a multidão e o helicóptero da polícia voando baixo para intimidar os professores. O carro de som do sindicato estava mais perdido do que eunuco em sex-shop, assim como perdida estava nossa nobreza sindical que tanto fizeram para a assembléia ter sido realizada naquele local. Vale o registro da insólita cena, das lideranças refugiando em cima do caminhão. É a velha história, quem quer ser comando, tem que ter responsabilidade e coragem de decisão... O resto é discurso retórico e bolorento!

Eis a cena panorâmica, o Cícero Pompeu de Toledo, palco de grandes duelos futebolístico de um lado e do outro desfilava impunemente a borrachada solta da tropa de choque em tudo que se mexia pela frente. Pedir para que as pessoas ficarem calmas em momento de grande estresse e descontrole generalizado é o mesmo que torcer para que o time da Portuguesa, a Lusa do Canindé, conquistar algum título importante no futebol.
Perdido no combate assim como o norte dos seus dirigentes, o carro de som do sindicato de forma insólita, grita por ambulâncias para os feridos. As cenas de professores agredidos pela Polícia Militar foram profundamente repugnantes e estúpidas. A selvageria tomou o lugar da sensatez (aliás, este último é um elemento escasso entro do “sindicalismo profissional” e nunca encontrado no governo dos tucanos). Saldo divulgado de feridos da estúpida batalha do Morumbi (e possivelmente subestimado): vinte manifestantes e seis policiais.



7. Autismo sindical e autoritarismo tucano: uma certeira explosão

Pensando de forma pragmática: O que acontece quando se coloca pedaços de queijo em discretas ratoeiras? A partir daí, ficar a espera dos ratinhos... Tempo vai, tempo vem... E o inevitável acontece: para muita curiosidade ou desatenção, os roedores perdem-se as suas cabeças. Trocar uma mobilização uma consistente e indispensável na Avenida Paulista, centro de exposição do capital e da mídia e trazer um movimento de trabalhadores para o meio de uma tocaia que é Palácio dos Bandeirantes pode a primeira vista muito "heróico", mas na prática é um exercício de insensatez (para não dizer de plena estupidez irresponsável). O que se viu foi a mais velha e carcomida história de sempre: quem não pensa, padece. Quem não compreende o momento histórico e fica preso às cartilhas corroídas pelas traças estará sempre fadado a cometer os mesmo e previsíveis erros. Exalam desta maneira algumas facetas do “autismo sindical”: desagregador, burocrático, oportunista, perdulário, pífio, acéfalo e estéril.

Como todo bom tucano, Serra praticou sempre uma política autoritária contra o funcionalismo público e isto nunca mudou durante sua gestão. E por que iria mudar agora? Com toda a honestidade, quem não sabia que os professores seriam recebidos com porretada da Polícia Militar nas portas do Palácio dos Bandeirantes com um governo sabidamente fascistóide como a gestão de Serra? Será que alguma brilhante direção sindical imaginaria que após inúmeros atos de arrogância prepotente de Serra, nosso ilustre governador iria receber os professores para o chá das 17h em seu Palacete de Supremo Poder? Absolutamente nada justifica as agressões aos professores e, por outro lado, nada justifica levar uma multidão de professores para o Gueto de Varsóvia paulistano. Levar os professores à tocaia e de lá para o “SPA do Porrete” é o mais absoluto atestado de incompetência sindical. Parabéns aos seus líderes!

Insistir conscientemente em ter seus professores “voluntariamente” espancados é no mínimo um ato de profunda estupidez. Se a atual direção da APEOESP tivesse um mínimo de vergonha na cara, coisa que há muito tempo inexiste tal termo no dicionário sindical, abriria mão de seus cargos e assim seria pudesse ser realizado de forma mais lúcida, salutar e transparente a uma nova e lícita eleição para dar uma nova vida a esta entidade. O que causa mais indignação é ver um conjunto de pessoas dispostas a fazer algo para melhorar as suas próprias condições de trabalho e ter uma direção sindical completamente perdida no tempo e no espaço. É na adversidade que se conhece seus aliados e assim construir novas maneiras de agir e pensar. A oportunidade de fazer história se esbarra na intransigência e estupidez de suas lideranças que estão mais preocupadas na manutenção ilusória do poder do que a dignidade dos seus representados.

É fundamental ressaltar que absolutamente nada justifica o sangue de inocentes. Tensões entre sindicado e governo podem ocorrer (independente de siglas partidárias), porém não é tolerável a absurda manipulação do fiel da balança pela via do sangue de inocentes. Mesmo que seja uma decisão estratégica completamente equivocada por parte do sindicato em fazer uma assembléia num lugar inóspito, traiçoeiro e difícil acesso, jamais o Poder Público poderá tratar seus cidadãos como ratos desprezíveis. Deixar uma polícia armada até os dentes para espancar professores é uma atitude de uma covardia que ultrapassam todos os limites de humanidade.



8. Epilogo?: As próximas cenas do mesmo velho filme

A luta dos professores é por salários e condições dignas de sua profissão. E isto não poderá abrir mão neste momento. E agora? Escondido em algum recanto do interior, como é de praxe, Serra finge que não é com ele a confusão e nega a conversar com os professores. Regurgita Serra: “somente um por cento é grevista”, e segue esta mesma conversa mole de um político que tem em suas ações a marca da intolerância e arrogância contra o funcionalismo público. Em 2008, muitos se lembrarão da postura como Serra tratou os policiais civis em greve. Na ocasião, os policiais civis fizeram uma assembléia próxima da região onde foi a assembléia dos professores desta sexta-feira. A mais absurda batalha campal da história recente do ocidente entre duas polícias de um mesmo Estado da federação: a civil, em greve, é a militar, para dispersar os grevistas a mando de Serra. Para todos que devem lembrar, forma cenas de extrema violência e estupidez de funcionários públicos armados de ambos os lados! Isto é a política de diálogo do candidato a postulante ao Planalto, isto são as práticas do “modelo tucano” que tem como José Serra o seu atual expoente.

E quanto à balela do Estado democrático? Alguém vai ser responsabilizado pelas deliberadas agressões aos professores? É claro que não! Será mais fácil a conta ir para os professores pagarem pelos “prejuízos” das balas, porretes e bombas utilizadas no teatro policial contra a categoria.

Para completar o relato, procuro ver a cobertura dos jornais sobre o teatro de horror do Morumbi. Segue a cobertura da quase “invisível” greve dos professores. Entre a sensacionalista cobertura da novela do caso “Isabella”, para minha não-surpresa, leio na manhã de sábado, 27/03, a manchete escancarada euforicamente na Folha de S. Paulo: “Serra volta a crescer; Dilma estaciona”. Que maravilha!: Serra arrocha salários, humilha os funcionários públicos, espanca arrogantemente professores e ainda se dá bem nas pesquisas eleitorais para a corrida ao Planalto! É claro que tais pesquisas são todas “inocentes” e com caráter meramente “jornalístico”. A canalhice do membro do conselho da FOLHA, Gilberto Dimenstein continua impune como sempre e escreve irresponsavelmente para a FOLHA ONLINE: “Professores dão aula de baderna”. Na versão do noticiário noturno da Rede GLOBO (SPTV 2ª. Edição) foi anunciado para o telespectador como se os professores fossem um bando de arruaceiros que estavam “batendo” na pobre e indefesa Polícia Militar!

Enfim, palmas para a tática paleolítica da Assembléia no Gueto de Varsóvia paulistano e a delicadeza do indefectível autoritarismo tucano postulante ao Palácio do Planalto! Para variar, a cobertura da Big Mídia, sempre afável à alguns governantes e suas políticas de interesse privado (e no caso de Serra, é patético o explicito apoio à sua gestão), foi de reforçar mais uma vez, a imagem dos professores contra a população. E depois muita gente fica “enchendo o saco” verberando que a greve dos “milionários e chorões” professores “é política”!... Afinal, o que não é derivado da ação ou inação política na sociedade? Quem quer trabalhar no caos e na servidão (quase) voluntária? Para quem acha que a vida é das áureas cores das páginas da “Revista Veja”: acorda cidadão!

quinta-feira, 25 de março de 2010

A Greve dos Professores: A truculência policial, o circo do bônus e o autismo sindical



1. A face fascistóide de Serra


Segundo a Folha Online, em meio à greve da categoria, cerca de 30 professores protestaram contra o governador José Serra (PSDB), no ato de inauguração do Centro de Atenção à Saúde Mental, em Franco da Rocha (SP) na quarta-feira, 24/03 . Dados da APEOESP, quatro professores da rede foram presos pela Polícia Militar. Na delicada truculência de sempre, a polícia usou cassetetes e gás de pimenta para dispersar a mobilização destes professores.


Ainda nesta quarta-feira, 24/03, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) descartou qualquer disposição para o diálogo com a APEOESP. Desta maneira, fica mais uma vez evidente que somente uma radicalização do movimento para que possa trazer um mínimo de sensibilidade ao governo Serra. Como são usuais em governos neoliberais, mais uma vez, reproduziram em Franco da Rocha as práticas tucanas no poder que é destilar a truculência e zombaria contra os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores.




2. Circo do Bônus: Maquiagem e Vassalagem


Em meio à greve dos professores da rede pública estadual, Serra faz propaganda para toda a sociedade prometendo liberar o dinheiro do “bônus do professor” e alardeado para esta quinta-feira, 25 de março. Fundamentalmente, bônus não é salário, mas somente se constitui na mais abjeta submissão e vassalagem do funcionário público. No atual momento, a famigerada política de bônus do governo Serra para os professores atende a uma serviçal construção de um subliminar aliciamento político e assim diluir a mobilização grevista da classe docente. Do ponto de vista do exotismo da “carreira” docente do Estado de São Paulo e da dignidade humana, como se tivesse fazendo uma alusão ao falo masculino, é tão triste e patética uma “disputa” na sala dos professores para ver “quem tem o bônus maior”!


Ressalta-se que até agora não se tem conhecimento com clareza os cálculos que geram a tal bonificação. Ao contrario que é propagandeado na mídia, vale lembrar que o professor da escola pública no Estado de maior pujança econômica do país não existe uma “carreira” de fato, mas um amontoado de pseudo-políticas aleatórias que ninguém (e nem mesmo da própria SEE-SP) sabe explicar com exatidão. Logo, após anos de demolição do ensino público por parte das políticas neoliberais do PSDB, ingressar no magistério público estadual hoje em São Paulo é uma medida de desespero econômico ou cumprir um bolorento sacerdócio!


Para compreender os efeitos nocivos de uma política de bonificação é importante refletir a ação corrosiva que age dentro da classe docente. A partir dos critérios da SEE-SP e após anos de arrocho salarial, criam-se duas classes através da política de bonificação: os que recebem o bônus e os que não têm direito a nada. Dentre os que recebem a dádiva do bônus, criam-se múltiplas subclasses de faixas de valores cujo teto máximo, fica para os Supervisores de Ensino e Dirigentes Regionais que pouco ou nada fazem para melhorar a qualidade do ensino (além de perseguirem muitos professores contrários à política débil da SEE-SP).

Os professores das escolas que não atingiram aos supostos critérios do IDESP (cujo pomposo título é Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) não tem o direito de receber o bônus. Ademais, nunca é tarde para lembrar: as escolas que não atingiram o tal índice do IDESP precisarão aprender com as escolas que fizeram a lição de casa “direitinho”. Em claro e bom tom: é necessário “maquilar” oficialmente os números de suas unidades escolares uma fez que é impossível atingir tais "metas" diante do fosso educacional que se encontra a quase totalidade das escolas públicas do Estado de São Paulo! Os índices de IDESP e similares são meros conjuntos ficcionais destinados a única e exclusiva propaganda política. Sim, a sórdida, inescrupulosa e cretina propaganda política à custa de gerações de alunos e professores. Ainda, para finalizar as querelas da bonificação, professores que tiveram faltas durante o ano (seja lá quais forem os motivos) não participarão da "bolada". Por exemplo, se o professor ficou doente e precisou ter faltas médicas ou afastamento médico, não participará do circo do bônus. Infelizmente, mais lamentável do que esta política neoliberal é a adesão sem reflexão de uma parte da categoria docente que ainda aceita passivamente assistir sua profissão liquefazer em vão.


A política de bônus é mais um destes entulhos neoliberais criados para desarticular movimentos de trabalhadores e esfacelar qualquer sociedade que possa primar pela igualdade e justiça social. A perversidade dos modelos adotados de políticas públicas que seguem a “cartilha neoliberal” é muito mais do que um mero debate ideológico, mas é um mecanismo de desarticulação social. Logo, pela desnorteada bússola neoliberal, o importante é criar um conjunto de regras completamente estúpidas e estapafúrdias para dar o verniz do “profissionalismo” e “competência” dignos das pérolas demagógicas que os tucanos adoram verbalizar em períodos eleitorais (e infelizmente, algumas correntes que se dizem “à esquerda” embarcaram neste discurso estéril). Nesta política de bonificação, a meritocracia de resultados é como se a profissão docente fosse um alegórico prostíbulo onde se premiam as melhores e mais dedicados “funcionários” da casa! Admira-se a demora que os sucessivos governos do PSDB não fez a honraria ao polêmico Sr. Oscar Maroni, dono da controversa “casa de lazer adulto”, a Bahamas Night Club, para ocupar a cadeira de secretário de Educação do Estado. Não há dúvidas que Maroni daria um toque mais elegantemente “profissional” às política educacional dos tucanos em São Paulo.




3. Recuo nas reivindicações e o autismo sindical


Nesta quarta, 24/03, em nova tentativa de dialogar com o governo Serra, uma nota a lamentar é o recuo desnecessário que a APEOESP fez no rol das reivindicações da categoria. De um conjunto de oito pontos básicos inicialmente defendidos em assembléia, ficaram de fora da lista, o fim da prova para selecionar temporários e o limite de faltas médicas. Com o governo Serra imóvel e intransigente quanto ao diálogo com a categoria, o impasse tenderá a fortalecer. Todavia é salutar perguntar aos articuladores da direção do movimento (entre eles a APEOESP) como é possível retirar conjunto da pauta de reivindicações sem ainda ocorrer de fato um único momento de negociação por parte do governo Serra. Um aplauso à “intelligentsia” sindical!


Neste momento, recuar é retroceder. Cortar um ou mais reivindicações sem ao menos sentar-se à mesa de negociações é uma atitude que demonstra muito mais um momento de fraqueza do que uma suposta “habilidade” de negociação. É sempre bom lembrar que as estruturas burocratizadas dos sindicatos há tempos entraram em metástase com direito às ramificações de tecido necrosado. O modelo de feudalização sindical envelheceu e com isto entrou para o asilo suas práticas, idéias e articulações. É fundamental o surgimento de um novo modelo de sindicalismo, mais próximo do professor (a chamada “base”) e mais coeso na construção de alternativas para criar identidade e lutar num mundo capitaneado pela sociedade de hiperconsumo e ideologia neoliberal.


A disputa de idéias dentro de qualquer movimento social é tão salutar quanto necessário. Todavia não se pode chegar ao limite da autofagia. É importante ressaltar que o momento deverá primar sobretudo pelo senso maior de união dentre as diversas correntes que atua dentro da APEOESP. Na “sopa de letras e siglas” que compõe um caldo de tendências (e quase sempre com práticas fratricidas) é fundamental deixar de lado os egos supostamente ideológicos em troca de atitudes mais inteligíveis e salutares para uma causa maior que a luta por melhores condições de trabalho e dignidade do associado, ou seja, o professor.


Para os que adora atear gasolina na fogueira, uma suposta derrota do movimento será mais uma derrota de todos os professores. Portanto, nada sobrará nada para grupos oportunistas de plantão roer as vísceras do moribundo professorado. O “inimigo” a ser vencido são as nefastas políticas públicas neoliberais e não os próprios companheiros de sindicato. É necessário maturidade e olhar crítico para um novo tempo de incertezas e adversidade poucos “visíveis”. Um tempo que não perdoará aqueles modelos presos à práticas ultrapassadas e inócuas dentro do movimento sindical. A unidade sindical é a artéria que transita a fluidez necessária ao movimento. Excessos de egos e proselitismos de liturgias ideológicas somente criam o que já é bem conhecido e mapeado: o autismo sindical.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Nas páginas do jornalismo canalha: A Big Mídia e a “invisível” greve dos professores do magistério paulista


Explícita má-fé, irresponsabilidade social ou delinqüência política? Por que o Brasil não é uma democracia de fato? Seja pelos índices socioeconômicos de desenvolvimento desigual entre as diversas regiões ou lamentáveis índices educacionais, há muitas razões para compreender o estágio das crises sociais da nona economia do mundo capitalista (ou melhor, dizendo, das nações ocidentalizadas). Todavia, aqui nos pautaremos pela questão da democratização ao acesso da informação, ou seja, como não é possível falar em democracia plena num ambiente cercado pelo monopólio da “Big Mídia”.



De norte a sul do país, a concessão governamental para abertura de rádio e televisões são subprodutos que atendem apenas aos nefastos interesses político-eleitorais. Em São Paulo, eixo-motriz do desenvolvimento econômico brasileiro, a informação jornalística é monopolizada por apenas quatro família da Big Mídia, os complexos editoriais das agências Estado, Folha, Globo e Abril. Praticamente tudo que circula de informação na mídia impressa e também no conteúdo dos portais de internet tem de forma direta ou indiretamente um vínculo “carnal” com pelo menos uma destas Big Mídia. Já na televisão, a Globo dita a pauta jornalista e a grade de programação que é seguida pelas demais concorrentes. Até mesmo os horários de partidas de futebol ficam reféns dos interesses da grade horário da rede Globo.



Vejamos o exemplar caso da greve “invisível” dos professores do magistério paulista. Em busca de melhores condições de salário e dignidade da profissão, duas grandes manifestações representadas pela assembléia dos professores nos dias 08 e 12 de março de idêntica ação: ocuparam as duas faixas da mais importante avenida do capitalismo brasileiro, a garbosa Av. Paulista, e posterior passeata por todo o trecho da Rua da Consolação até o desembocar na região onde se localiza o prédio da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), na Praça da República. Segundo o Sindicato dos Professores (APEOESP), a estimativa entre as duas passeatas, 12 e 19 de março, giraram entre 40 mil e 60 mil pessoas, respectivamente.



Todavia, o que foi publicado, por exemplo, na Folha de S. Paulo? Vejamos. Na edição estampada do dia 13/03, pautada pelos supostos números da Polícia Militar, a estimativa de professores presentes no ato no dia anterior não passava de 12 mil pessoas. Somente nas páginas internas, a FOLHA exibiu o número da APEOESP, 40 mil pessoas. O grupo Abril cujo destaque do seu jornalismo é a tucana e neoliberal Revista Veja, a respeito da manifestação do dia 12/03, registrou em seu portal de internet que apenas 12 mil professores estiveram presentes na assembléia feita no vão livre do MASP. O portal da Revista Veja cedeu espaço apenas para a versão oficial: “A Secretaria [SEE-SP] destacou que os grevistas terão desconto salarial relativo às faltas. Para o órgão, não há justificativa para a reivindicação de 34% de aumento para os professores, ‘medida que custaria nada menos do que R$ 3,5 bilhões’”. Já o outro lado dos fatos, nenhuma palavra adicional.



No dia seguinte em nova assembléia dos professores no vão livre do MASP, na edição de 20/03 que estampou a candidatura do governador José Serra ao Planalto, a FOLHA, timidamente no meio da reportagem no seu “Caderno Cotidiano”, utilizou novamente os supostos cálculos da Polícia Militar de 8 mil participantes e cita um discreto comentário do número atribuído à APEOESP, 40 mil. Além disto, há uma pequena matéria com o título “Reajuste pedido é ‘impossível’, afirma Secretaria da Educação” e deu destaque para as palavras do Secretário da Educação, Paulo Renato, com sua contumaz indisposição ao diálogo: "a continuidade de um movimento esvaziado, inimigo da educação e que causa transtornos no trânsito [e a greve é de] explícito caráter político", fechando assim as palavras do secretário.



Não obstante, algumas perguntas se fazem necessárias no meio desta guerra numérica: supondo que os números contábeis sobre a participação dos professores nas assembléias sejam da Polícia Militar seja verdadeiros, onde os policiais aprenderam a fazer contas básicas de matemática? Será que usam a mesma contabilidade “surreal” para a contagem de presos de seus depósitos carcerários de humanos? No sábado, para ter uma idéia da contabilidade da Polícia Militar, uma insólita manifestação na Praça da Sé de grupos reacionários anti-aborto, “segundo cálculos da PM”, foi de 3 mil participantes. Oras, se um grupelho reacionário em torno da Igreja da Sé levou 3 mil pessoas, qual seria então o número de pessoas que ocuparam as duas faixas da Av. Paulista e desceram a Rua Consolação? Oito mil, doze mil? Certamente há uma estimativa no mínimo muito estranha da Política Militar que precisa ser discutido e que foge do escopo deste artigo.



Em “O Jornalismo Canalha” (Ed. Casa Amarela, 2003), José Arbex Jr. denunciou o jornalismo inconseqüente, delinqüente e vassalo das elites sendo realizado pelos “escribas do poder”. Cabe ressaltar, que o bom jornalismo diz que pelo menos deve ouvir os dois lados dos fatos decorrentes da notícia. Todavia o leitor interessado no assunto da greve nos professores do ensino público do Estado de São Paulo pouco poderá encontrar a respeito, quanto muito só encontrará uma única versão que é a do governo Serra. Naturalmente, as questões sobre o movimento que “atrapalha” o trânsito foi exaustivamente comentado, como se São Paulo somente ocorresse congestionamento em sua inflada malha viária em dias atípicos de mobilizações sociais, como que ocorreu nos dias que aconteceram às assembléias dos professores.



No intuito de permanecer no ostracismo, toda uma enorme mobilização de professores passou despercebida da Big Mídia, como se fosse algo invisível. Não mais do que algumas notas isoladas e geralmente em tom de crítica pelo fato de professores “atrapalharem” o transito! Para quem participou ou pode observar pessoalmente o movimento dos professores nessas passeatas, certamente causou uma enorme estranheza e perplexidade nas discretas notas dos jornais. Para quem não estava presente, a visão que foi uma meia dúzia de “desocupados” contra o governo cujo único objetivo seria pateticamente atrapalhar o trânsito (mensagem essa que viria de encontro com a afirmativa zombeteira de Serra que costuma recitar aos quatro cantos que o movimento grevista não passa de 1% da categoria). Certamente, alguma coisa está “fora da ordem”.



Para quem busca acompanhar o desenrolar da greve do magistério paulista pelos jornais e principais portais da internet, claramente fica desinformado ou simplesmente entende que não existe tal movimento. A exceção é feita aqui ou acolá por algumas notas das habituais falas em tons sarcásticos de Serra, tais com: “o movimento [dos professores] é pequeno e que vai contra as coisas boas [da SEE-SP]” ou ainda como título da matéria, “Greve dos professores não pegou, graças a Deus” (Agência Estado, 12/03). Além da publicação das conhecidas onomatopéias tucanas do governador, tais como: "Dizer isso é trololó", negando alterações na sua agenda devido a manifestações dos professores no Portal da Revista Veja, 18/03. Mais uma vez, o Big Mídia se confunde com o Diário Oficial, e jornalismo que deveria se pautar pelo tom crítico e investigativo destas agências se torna apenas um mero reprodutor da vontade governamental. Obviamente, nada deste processo é à toa ou oriunda de uma lastimável “incompetência” dos jornalistas destas empresas.



Não é de estranhar a fascistóide postura do jornalista Gilberto Dimenstein, colunista e participante do comitê editorial da FOLHA, que destila em sua coluna sobre “educação” pérolas bisonhas entre tantos disparates de má-fé contra o professor da escola pública. Numa de suas postagens, Dimenstein afirmou que a greve dos professores seria “contra os pobres”, além de aclamar para uma inusitada “cegueira” dos pais “cujos filhos são prejudicados pela greve” e simplifica desta maneira a situação calamitosa da escola pública: “O resto é cegueira. Inclusive dos pais que não se revoltam contra o sindicato” (Coluna Pensata, Gilberto Dimenstein, 18/03).



Voltando ao Portal da Revista Veja, temos mais uma pérola do fascistóide editor da revista e tucano de carteirinha, Reinaldo Azevedo, conjectura no seu blogue as causas da greve dos professores do magistério de São Paulo: “Não basta dizer que a greve da Apeoesp (e não dos professores) — com a sua pauta obscurantista e contrária à qualidade na educação — é tocada pelo PT. É preciso que fique claro que ela é comandada pelo pior do PT, se é que se pode falar assim”. Ainda não contente, o tucano jornalista e editor da Revista Veja prossegue: “A reivindicação salarial não passa de cortina de fumaça para uma tarefa que, parece-me, é de alcance puramente eleitoral”. (Blog Reinaldo Azevedo, 21/03). Será que Azeredo não teve a mínima decência de conhecer um holerite de um professor do ensino público do Estado de São Paulo? Naturalmente, de forma sorrateira diga do jornalismo canalha, como bom tucano e a serviço do seu partido, Azeredo faz coro com a SEE-SP cuja meta é criar mais entulho ideológico neoliberal na Educação pública paulista e jogar a opinião pública contra os professores.



A má-fé é a tônica das coberturas jornalísticas pela Big Mídia no que tange particularmente a cobertura sobre os movimentos sociais, salvo raríssimas exceções. Considerando nefastas figuras como Dimenstein e Azeredo, é muito simplista e cômodo para supostos jornalistas burocráticos a serviço de interesses meramente de grupos de poder econômico, se sentarem em suas confortáveis cadeiras e desfrutando a leveza aprazível do ar-condicionado, utilizar de sua influência “jornalística” para atacar os professores e sequer ter a preocupação de visitar a realidade de uma unidade escolar (claramente, excetuando as escolas “maquiadas” da propaganda oficial).



De braços dados com o governo de Serra, a Agência Estado, estampa em seu portal na internet a promessa de pagamento de bônus para os professores e publicado na versão impressa de 23/03: “SP pagará bônus salarial a 176,5 mil professores” (Agência Estado, 22/03). O “jornalismo chapa branca” da Agência Estado ainda acrescenta no subtítulo da matéria: “Mais da metade dos docentes vai ter benefício superior a R$ 2,5 mil; valores serão depositados na quinta”. Ao longo da matéria “explicando didaticamente” a suposta distribuição da falaciosa política de bônus aos professores, desta maneira, o leitor não sabe se esta lendo páginas do “Diário Oficial do Estado” ou informativo da SEE-SP. A matéria ainda não perde a oportunidade de atacar sutilmente os professores ao citar a meritocracia segundo o entendimento da SEE-SP e punição via o não-pagamento de bônus a partir das faltas dos docentes: “Pelo programa, o professor que consegue que seu aluno tire uma nota mais alta na prova aplicada pela secretaria recebe bônus salarial. E, como o valor está ligado também à presença, às faltas seriam coibidas - são 12 mil diárias na rede”. E assim se pauta o jornalismo “crítico” da Big Mídia!



Sem maiores ilusões, a verdade é tingida da cor de cada versão. O jornalismo canalha salientado por Arbex Jr. utiliza-se seu portfólio para dirimir uma versão que não prima pela clareza ou honestidade dos fatos. A guerra de informações é travada de forma monstruosamente desproporcional na mídia brasileira. A Big Mídia monopoliza todo o acesso a informação, além de sua divulgação e distribuição. As incipientes e isoladas mídias possuem um poder muito pequeno de participação neste processo, mesmo apelando para distribuições alternativas de conteúdos, como pequenos jornais de curta duração e baixa tiragem ou sites de internet. A saída para o impasse e dominação da Big Mídia não é trivial. Passa necessariamente pelo escancaramento da liberdade de acesso a informação e de grupos jornalísticos mais comprometidos com as causas sociais e menos aos vícios do poder do capital. Tal processo é lento e de difícil execução uma vez que de acordo com seus interesses de mercado e poder, a Big Mídia é uma das mais vorazes patrocinadores das campanhas eleitorais ao ponto de expor explicitamente nomes de candidatos, programas e idéias para a população.



De forma romântica, ainda há aos que acreditam no poder de livre-arbítrio da população como um conjunto hegemônico e autocrítico. Todavia, a hipermodernidade que desenha as cores exóticas da sociedade do consumo é um paradoxo permanente, quanto maior o oceano inflado de informações, menor é a capacidade de construção do conhecimento autônomo e reflexivo. A resistência se dará necessariamente através de um conjunto de mídias independentes e de ações coordenadas disposta a duelar exaustivamente contra este processo avassalador de monopólio da informação. Novas práticas devem surgir como forma de construção de um contra-poder que prime pela defesa dos movimentos sociais e da própria idéia de democracia como um bem de valor universal para uma sociedade justa, igualitária e livre das amarras do despotismo econômico.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Em Busca de Reconhecimento e Identidade: A Greve na Educação Pública no Estado de São Paulo


Para que a mobilização atinja o êxito necessário, é fundamental a adesão massiva dos professores nesse processo. Naturalmente, ampliando o número de participantes que engrossa a fileira da paralisação, o governador José Serra e seu fiel amigo e secretário da Educação, Paulo Renato, não terão como continuar a saraivada de deboches irresponsáveis contra a categoria docente. Serra vem praticando o jogo do “faz-de-conta que não existe” com a greve dos professores do estado de São Paulo e se recusa peremptoriamente a negociar. Um cínico teste de resistência que o governo aplica para medir a capacidade de mobilização dos professores.


A grande participação dos professores na assembléia do dia 12 de março mostrou a face da indignação da categoria. É pertinente ressaltar que somente a mobilização dos professores e o esclarecimento da população sobre a pauta de reivindicação da categoria que poderá garantir fôlego para continuar a manutenção da greve e sua crescente ampliação. Sublinha-se ainda que muito além de uma óbvia reivindicação salarial, a luta urgente e inadiável deverá ser por um novo modelo de Educação Básica.


A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) assim como o próprio governador Serra zombam dos professores dizendo que a greve é “política” e realizada por um punhado de descontentes. Como se não fosse “político” o descaso irresponsável dos tucanos com a Educação. E como não ser “político” o ato natural de gritar pela sobrevivência? Como não é de causar estranheza o falso modelo de democratização da informação aonde toda a grande mídia vem apoiando as nefastas políticas neoliberais que estampa passivamente em seus jornais e noticiários televisivos a versão governamental sem os mínimos critérios que mereceria qualquer denominação vulgar de “jornalismo democrático”. A deturpação esboçada em perdulárias campanhas publicitárias do governo falseia a realidade e logra a boa-fé e desinformação de números expressivos da população.


Obviamente, toda grave é profundamente política. Assim como todas as decisões dos atores sociais possuem raízes essencialmente políticas. Portanto, todo movimento político não é passível de terceirização ou espectador das decisões na cômoda arquibancada. Cada professor é um militante nesta batalha pela dignidade profissional e auto-estima de sua própria condição humana.


Toda alienação permite a virulenta eclosão de espasmos ininterruptos de opressão, despotismo e barbárie. É muito fácil fingir a aneurisma profissional, incutir um olhar rasteiro para os lados ou recitar os velhos chavões da passividade irresponsável do inútil reacionarismo. A alienação engrossa a fileira da miséria humana. Enquanto muitos professores de forma ingênua ou resignada acreditam que seja “normal” trabalhar em condições subumanas, violência cotidiana e precariedade alarmante com uma remuneração cada vez mais irrisória e defasada, o sistema educacional sistematicamente gangrena e apodrece. Para o professor que se julga “profissional”, cabe participar do cenário de decisões de duas distintas saídas: submeter à ordem da calamidade educacional patrocinada há anos por sucessivas gestões acéfalas do PSDB ou lutar por reconhecimento de sua própria identidade e sua condição de existência.


Um movimento grevista não é o fim, mas tão somente um meio de lutar pela construção de um espaço reivindicatório de sobrevivência diante da arbitrariedade. Infelizmente, diante do impasse promovido pelos governos do PSDB e a notória falta de compromisso histórico com a Educação pública no estado de São Paulo, não há outro meio de pressão democrático, digno e persuasivo a não ser a continuidade da greve. Uma greve cujo objetivo é a sobrevida da categoria docente em prol de um novo modelo educacional. Sem direito à recuos ou desistências, a ordem é a ampliação do poder transformador que somente a mobilização popular pode construir no interior de qualquer sociedade.

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Assembléia Estadual dos Professores
Sexta-feira, 19 de março – 14 horas – Vão Livre do MASP



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Saiu no Jornal “Agora” em sua edição eletrônica:

18/03/2010

Greve de professor afeta quatro em dez escolas

Thiago Braga, Agência Folha e Folha de S.Paulo
do
Agora

A Apeoesp (sindicato dos professores da rede estadual) realizará amanhã uma assembleia na avenida Paulista (região central de São Paulo) para decidir se os professores continuarão ou não a greve iniciada na semana passada.

A paralisação no Estado começou no dia 8. A reportagem fez ontem um levantamento da greve. Foram consultadas 108 escolas estaduais da capital e das regiões de Ribeirão Preto (313 km de SP), Campinas (93 km de SP), Jundiaí (58 km de SP) e São José dos Campos (97 km de SP) escolhidas aleatoriamente. Desse total, em 66 escolas todos os docentes trabalharam normalmente (61,5%).

Outras 42 unidades foram afetadas de alguma maneira pela greve (38,5%) --em nove nenhum professor trabalhou (8%) e em 33 uma parte não deu aula (30,5%).

Ontem, o governador José Serra (PSDB) foi hostilizado por grevistas.

Funcionários de escolas dizem que foram orientados pelas diretoras a substituírem os grevistas por professores temporários para evitar que as crianças fiquem sem aulas.

O principal pedido dos grevistas é um reajuste salarial de 34,3%. De acordo com o sindicato, a tendência é que a greve continue. "Até hoje não fomos recebidos para discutir a questão salarial", diz a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha. O governo diz que o movimento é político e que apenas 1% dos professores aderiram à greve.


FONTE:
http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/ult10103u708500.shtml

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Parte 4 de 4: O “Processo Imbecilizador”: A humilhação docente como instrumento de política neoliberal da Educação Básica em São Paulo



4. A emancipação humana contra a barbárie



“A liberdade não é mais que a afirmação de si mesmo”.
(George W. Friedrich Hegel)




A lógica do capital é a sistemática usurpação da condição humana. Na amálgama do capitalismo, a vida nada mais é do que um usufruto da exploração do trabalho alheio por parte das imperativas forças de produção. A educação pública inserida na lógica do mercado condiciona no aparelhamento da escola no patético papel de campos de concentração educacional, onde professores e demais funcionários desenvolvem papéis de feitores desta engrenagem de moer indivíduos.


A premissa é simples: rico paga, pobre pasta. Traduzindo a sintética sordidez capitalista à brasileira no âmbito educacional: quem tem melhor recurso econômico, paga escola privada para seus filhos (fixado no inconsciente social onde as “privadas” gozarem de melhor qualidade – e necessariamente não se trata de um fato realístico), que não tem recurso, aventura seu filho na escola pública! A lógica liberal trata a educação pública como um entulho social perdulário, servindo apenas para adestrar alguns trabalhadores “mais capacitados” e descartando o refugo humano desnecessário para as esteiras de produção. Todavia, nenhuma sociedade que aufere para si o rótulo de “humanidade” deve aprisionar seus filhos em cubículos de concreto e espaços estéreis de desenvolvimento numa inútil jornada de tempo. Nesta orquestração do “processo imbecializador”, resta pateticamente aos professores a tarefa de manterem minimamente a ordem e servirem como sentinelas para guardar a inspeção do “período escolar”.


É possível fazer uma pertinente analogia. A diferença entre professores da escola pública e agentes carcerários do sistema penal é que os primeiros ainda procuram se sustentarem na ilusão da “quintessência docente” e como um messias pedagógico, alheio à devastação à sua volta, buscará salvar algumas almas mediante seu toque de Midas. Já o segundo, suas supostas ilusões cessariam desde os primeiros momentos que adentra as agruras do recinto do sistema penitenciário.


Sendo repetitivo ao ponto de não temer cansar o leitor: a educação pública e de qualidade não é e nunca foi uma prioridade de governo no Brasil. O resultado é anos de inchaço, ineficiência, sucateamento e condições precárias nas escolas públicas. Simplesmente, grande parte das escolas sobrevive do ponto de vista de sua logística pela mendicância de seus alguns gestores e professores mais apaixonados pelo seu oficio ou simplesmente a unidade escolar é abandonada à sua própria sorte (e geralmente adotada pelos traficantes de droga locais). O caso do estado de São Paulo é exemplar, uma vez que se trata do principal pólo econômico do Brasil e América Latina. Apenas como intuito de exemplo de assimetria de recursos e prioridade governamental, somente esta semana, através do BNDES liberou um aporte de recursos de R$ 1,2 bilhão para investimento apenas para a uma única empresa transnacional de capital majoritariamente alemão, a Mercedes-Benz, a ser aplicado na fábrica situada na cidade paulista de São Bernardo. Claro, sempre o mote “politicamente correto” é a geração de empregos, então vamos lá: no caso específico dos recursos para a Mercedes-Benz a projeção será de gerar menos de dois mil empregos diretos (numericamente, um pouco mais de indivíduos de uma única unidade escolar)! Mais uma vez, a Educação não é uma prioridade de investimento e tampouco de governo. Exceto por algumas as linhas de crédito para encher bolso de empresários cujo mote é rapinagem imediatista do campo do Ensino Superior, não há uma única linha de crédito para a promoção da Educação Básica. O “S” do BNDES é “social” apenas na retórica da cabeça de seus gestores. A lição das “vozes racionalistas” do mercado que ecoa no governo é simples: para a economia, tudo é investimento (com o capitalismo calcado no erário da nação, claro!), para o social, o mero pragmatismo. Resultado: o desenvolvimento disforme, concentrador de renda e fôlego curto (exceto para os que acreditam que viver a labutar crédito em financeiras se endividando rigidamente é renda do trabalhador!).


O burocrata que passa a trabalhar dentro da administração pública é geralmente formado em faculdades moldadas com currículos mimetizados em universidades estadunidenses, arrotam “business to business” e não entende o desenvolvimento econômico como um processo intrinsecamente social. Já a classe política é um emaranhado de interesses e tentáculos corporativistas cuja ação se baseia na letargia administrativa, a lascívia sedutora da corrupção e as tentações para as mazelas contra o patrimônio público é quase uma prioridade. Infelizmente, grande parte do que restou da chamada “esquerda” também sofre de uma amnésia sistêmica no que tange as propostas para Educação. Em geral, em muitos discursos de uma esquerda “rósea” não é possível ver alguma luz no túnel de suas propostas ou programas para o campo da Educação, além de algumas triviais e inócuas retóricas ou irônicas ações mimetizadas de programas neoliberais (exemplo disto são os sete anos da gestão petista no Ministério da Educação do Governo Lula cujos avanços foram exaustivamente muito tímidos)! Diante do deserto fratricida e sem vigor ao combate da sanha assassina dos programas neoliberais, a Educação Básica vem sendo paulatinamente corroída por políticas neoliberais cujo objetivo é lixo do processo social formando gerações de seres humanos desvalidos, desesperançados e fadados ao se aprisionar no acúmulo de fardo humano entre guetos, favelas e palafitas.


Refletindo e fazendo uma leitura livre do filósofo alemão Jürgens Habermas, até mesmo dentro de uma democracia estabilizada, são necessários fortes debates e até mesmo uso da força para garantir direitos básicos aos cidadãos para continuar pulsando o ideal de cidadania dentro do modelo capitalista (ou seja, uma “caricatura de cidadania”). No caso da semidemocracia brasileira, a situação é de extrema preocupação. Nesta esteira, é fundamental a ruptura do processo de endogeneização da benevolência messiânica da tarefa docente para reconstruir um caminho de restauração da dignidade da profissão. Culpar as mazelas do Poder Público é uma tarefa razoavelmente fácil, porém sob o ponto de vista da ética, não é possível servir como instrumento do processo de articulação da barbárie por parte de irresponsáveis políticas neoliberais.


O que dignifica o ser humano não é o acumulo narcíseo de bens materiais, mas a capacidade suplantar obstáculos e melhorar a sua condição de mundo. Como assinala István Mézáros (2005): “[...] é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente”. Uma escola que não tem como proposta edificante a emancipação humana estará inevitavelmente a ser apenas mais um esboço de um tétrico campo de concentração.


Neste ínterim, o resgate da profissão docente vai muito além da mera luta por miúdos centavos no holerite. O processo de construção do sujeito histórico esta na raiz da intervenção que o homem é faz dentro de sua arquitetura de mundo. Aproxima-se o dia que o acúmulo de derrotas cria estafa e somente uma vitória valorosa poderá saciar a vontade de continuar vivo dentro do processo. O chamado para a batalha é o clamor para a própria sobrevivência.




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Referências bibliográficas ( Reunião das quatro partes):

BOTTON, Allain de. Desejo de status. São Paulo: Rocco, 2005.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. São Paulo: Centauro, 2004.

MÉSZAROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

PLEKHANOV, Giorgui V. O papel do indivíduo na história. São Paulo: Expressão Popular, 2006.